domingo, 28 de novembro de 2021

A fonte de Santa Reine

A fonte de Santa Reine, Alise, Borgonha
A fonte de Santa Reine, Alise, Borgonha

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






Havia pouco que a Gália se tornara cristã e os romanos já a atravessavam com estradas retas e seguras, templos de mármore e tijolo, fazendas bem ordenadas que eles chamavam de ‘vila’.

Em Alésia, César havia dado fim a Vercingétorix, acabando com a resistência dos gauleses.

Apesar da lembrança dos dias do sítio implacável, os nobres e os dirigentes empenhavam sua boa vontade em aplainar as dificuldades que podiam eclodir entre os novos senhores que pretendiam ser pacificadores, e os habitantes que povoavam os morros desde tempos imemoriais.

Os pontos de encontro eram a boa acolhida, o bom trato, a paciência, como também o comércio e os casamentos.

Romanos e gauleses trabalhavam para dar coesão ao país.

Porém, os romanos tinham um novo inimigo para combater: a religião cristã que se espalhava de modo cada vez mais rápido e profundo.

Foi nesse momento que um dia chegou a Alésia um certo Olibrius, prefeito do imperador, enviado para combater a nova religião.

Os nobres do burgo fizeram questão de recebê-lo bem.

Visitando a casa de um deles, Olibrius deitou o olho em Reine.

Ela era muito nova, muito bela e reservada.

A fonte de Santa Reine
A fonte de Santa Reine
Olibrius ficou apaixonado, mas ao mesmo tempo tinha a missão de aproximar os dois povos.

Pediu então ao pai a mão de sua jovem filha.

Porém, Reine se recusou.

O pai tentou convencê-la, explicou-lhe todo o bem que o casamento proporcionaria à pequena comunidade e ao país, mostrou-lhe as vantagens de tão belo partido.

Ele lhe rogou, chegou até ameaçá-la, mas Reine tinha uma boa razão para não se casar com Olibrius.

No fim, ela confessou: sua babá tinha feito dela uma cristã, e a cristã se recusava casar com um pagão.

A jovem foi jogada na prisão, numa cela escura e minúscula onde ficou privada de beber e comer.

As únicas visitas que recebeu foram de seu pai, que foi pressioná-la para que cedesse.

Depois chegaram os carrascos. Talvez a infeliz tivesse cessado de resistir se uma pomba não tivesse aparecido para reconfortá-la na prisão.

Por onde entrou essa pomba? De onde vinha? Ninguém soube.

Santa Reine, Alise, Borgonha
Santa Reine, Alise, Borgonha
Reine disse “não” mais uma vez. Ficou então decidido que seria afogada numa enorme bacia. Ela receava essa morte pelos suplícios morais que ela supunha, mas a preferia antes que renunciar à sua fé.

Porém, seu destino era maior: ela ia se tornar uma mártir, uma santa, e por isso aconteceriam milagres.

No dia do derradeiro suplício aconteceu um grande tremor de terra que abalou o morro e derrubou a bacia.

A pomba voltou e depositou uma coroa na testa de Reine.

Alguns acharam que talvez naquele momento sua vontade seria mais forte que a de seu pai.

Este, porém, não entendeu assim e, fora de si de tanta cólera, ordenou que cortassem a cabeça da filha.

Desta vez Reine perdeu a vida, mas não foi em vão.

Uma fonte começou a brotar no mesmo ponto onde seu sangue molhou o chão.

E a água que ali brotava logo curou doentes e enfermos que se encontravam nas vizinhanças.

Obviamente, com essa água que devolvia a saúde e punha fim aos males propagaram-se a fama da jovem mártir e os milagres da nova religião.

Hoje, no mês de setembro de cada ano, os peregrinos voltam a Alésia para ali beber a água de fonte de Santa Reine.



(Fonte: Sophie e Béatrix Leroy d’Harbonville, “Au rendez-vous de la Légende Bourguignonne”, ed. S.A.E.P., Ingersheim 68000, Colmar, França, págs. 26-27)




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domingo, 21 de novembro de 2021

Como Nossa Senhora salvou Constantinopla da sanha dos turcos

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
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Esta cantiga [Cantiga 28 "Todo logar mui ben pode"] conta como Santa Maria defendeu Constantinopla dos mouros que a combatiam e acreditavam poder tomá-la.

Todo lugar que tem a Santa Maria como escudo pode muito bem ser defendido.

Disso eu vos quero contar, do fundo de meu coração, um milagre dos maiores que fez a Virgem sem par, que não quis se perdesse e fosse vencido o povo que Ela tinha que conservar.

Segundo o escrito que eu mesmo pude achar, após Constantinopla ter sido tomada pelos cristãos, veio um rei pagão para sitiar a vila, com uma hoste de pagãos, muito bravo e sanhudo ele, para tomar a cidade pela força e tornar-se o homem mais temido.


E com toda aquela sanha que possuía, começou a dizer que se ele pudesse tomar a cidade pela força, mandaria matar o povo simples e roubaria os tesouros que este tinha escondido.

Dentro da cidade, conforme tenho ouvido, que Deus me ajude e perdoe, estava São Germano, o santo patriarca, que foi a rogar à Virgem que o povo fosse socorrido por Ela, sem demora, diante daquele atrevido mouro.

Mãe de Deus com anjos. Pedro Serra
Mãe de Deus com anjos. Pedro Serra
E às damas da muito nobre cidade aconselhou, severamente, que fossem acender velas diante da imagem em majestade da Virgem, para que o povo do lugar não fosse atraiçoado nem entregue.

Porém, aquele sultão mouro fez pôr máquinas de guerra que jogavam pedras, as quais os arqueiros lançassem sem cessar.

E assim combatida, a muralha foi logo fendida, e passaram tal e tanto aperto os de dentro, que teriam sido pegos se a Virgem muito santa não se apresentasse no local com seu manto estendido para proteger o muro e evitar que derrubasse.

E naquele momento desceu uma grande legião de santos, que apareceram junto com Ela; e, muito sem sanha, Ela foi pôr seu manto e recebeu muitos tiros que mandou lançar aquele sultão beiçudo.

E aconteceu então que os que combatiam por Deus, tendo concebido grande temor de sua Mãe, saíram dali deixando de golpear, e foram matar aquele Sultão barbudo e liberar o muro já caído.

Aquele sultão – eu não vos minto – acreditou que com falsidade queriam atacá-lo os seus, e começou a apelar para Mafoma, o velho conhecido, para que o viesse ajudar, mas logo ficou decepcionado.

E assim que levantou os olhos para o céu, viu logo a Mãe de Deus coberta com seu véu, pairando sobre a cidade com o manto estendido e recebendo as feridas.

Ao ver isso, logo compreendeu ser pecador, pois viu que aquilo era obra de Nosso Senhor. Por isso, de maneira alguma quis ordenar mais um outro combate e, agindo como homem cordato, entrou na cidade sem que os seus o soubessem.

Aquele sultão pagão foi até São Germano, dizendo-lhe:

– Senhor, a partir de hoje, eu quero por vossa mão tornar-me cristão, ser convertido e abandonar Mafoma, o falso covarde. E eu vos digo logo a razão pela qual decidi isto: segundo diz a vossa Lei, a muito Santa Rainha tenho visto, que veio vos liberar, pois apareceu para mim, e eu quero ser batizado, mas que não fique conhecido.

Seria muito difícil vos contar os grandes dons, ricos e bons, que entregou aquele sultão da Síria, e além do mais deu garantias de que não voltaria a atacar o reino, e assim Deus me proteja, e saiu agradecido.



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domingo, 14 de novembro de 2021

Frei Pacífico em oração viu a alma de Frei Humilde subir ao Céu

São Francisco, Benozzo Gozzoli
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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Na província da Marca, depois da morte de São Francisco, entraram dois irmãos na Ordem; um teve por nome Frei Humilde e o outro Frei Pacífico, os quais foram homens de grandíssima santidade e perfeição.

E um, isto é, Frei Humilde, estava no convento de Soffiano e ali morreu; o outro estava de família em um convento assaz afastado dele.

Como prouve a Deus, Frei Pacífico, estando um dia em oração num lugar solitário, foi arrebatado em êxtase e viu a alma do seu irmão Frei Humilde subir diretamente ao céu, sem demora nem impedimento, na mesma hora em que deixava o corpo - Sucedeu que, depois de muitos anos, este Frei Pacífico foi posto em família no dito convento de Soffiano, onde seu irmão tinha morrido.

Nesse tempo os frades, a pedido dos senhores de Brunforte, mudaram o convento para um outro lugar; pelo que, entre outras coisas trasladaram as relíquias dos santos frades que haviam morrido naquele convento. 

 
E chegando à sepultura de Frei Humilde, o seu irmão Frei Pacífico retirou-lhe os ossos e lavou-os com bom vinho e depois os envolveu numa toalha branca, e com grande reverência e devoção os beijava e chorava.

Por isso os outros frades se maravilharam e não recebiam bom exemplo: porque, sendo ele homem de grande santidade, parecia que, por amor sensual e secular, chorava seu irmão, e que maior devoção mostrava por estas relíquias, do que pelas dos outros frades que tinham sido de não menos santidade do que Frei Humilde, e eram dignas de reverência como as dele.

E conhecendo Frei Pacífico a sinistra imaginação dos frades, os satisfez humildemente e lhes disse:

“Irmãos meus caríssimos, não vos admireis de que tivesse feito com os ossos do meu irmão o que não fiz com os dos outros; porque, bendito seja Deus, não se trata, como credes, de amor carnal, mas isso fiz porque, quando meu irmão passou desta vida, orando eu em um lugar deserto e afastado, vi sua alma pelo caminho certo subir ao céu; e portanto estou certo de que seus ossos são santos e ele deve estar no paraíso. E se Deus me tivesse concedido tanta certeza dos outros frades, a mesma reverência renderia aos ossos deles”.

Pela qual coisa os frades, vendo-lhe a santa e devota intenção, ficaram bem edificados com ele e louvaram a Deus, o qual faz assim coisas maravilhosas aos santos frades seus.

Em louvor de Cristo. Amém.



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domingo, 7 de novembro de 2021

Nossa Senhora não deixou sair o ladrão

Luis Dufaur
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Cantiga de Santa Maria 302 “A Mãe de Jesus Cristo”; Cantiga 424 “Pois que dos Reis é Nosso Senhor”, de Affonso X, o Sábio, rei de Leão e Castela (1221-1284)
Esta cantiga é do homem que furtou a seu companheiro o dinheiro da esmola em Santa Maria de Montserrat e não conseguiu sair da igreja enquanto não o devolveu.

A Mãe de Jesus Cristo, que é Senhora de nobreza, não consente que na sua casa se cometam furtos nem vilanias.

E sobre isto eu vou vos contar um grande milagre que homens de confiança me contaram como sendo muito verdadeiro, e juraram ter sido feito por Santa Maria de Montserrat, incluindo o que fez um homem ruim para manifestar sua vileza.

Esse homem foi em romaria com muita outra gente e juntou-se a um outro procurando companhia; quando chegou a noite, roubou-lhe a sacola com o dinheiro que trazia, para aumentar seu pecúlio.

No dia seguinte, pela manha, após ouvirem as Missas, os que tinham participado ali saíram da igreja, mas ele não conseguiu sair e isso foi percebido por muitos.

Santa Maria, que está com Deus nas alturas, não o consentiu enquanto ele não se arrependesse sinceramente, confessasse seu pecado e devolvesse ao outro tudo o que tinha furtado, reconhecendo diante de todos sua culpa e saindo envergonhado pelo seu malfeito.

Assim foi feito em tudo, pois esse foi o desígnio da piedosa e verdadeira Mãe de Deus, santa e muito justiceira, que não quis que na sua casa fossem feitas de maneira alguma coisas inconvenientes nem miseráveis ladroeiras.

Cantiga 302 & Cantiga 424 "A Madre de Jhesu-Cristo & Pois que dos Reys Nostro Sennor"