A "catedral submersa" na baía de Douarnenez |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Na sua História da Liga na Bretanha, de fins do século XVI, um certo cônego Moreau escrevia sobre a baía de Douarnenez:
“Encontram-se ainda hoje pessoas antigas que, estando a pescar, sustentam ter visto com frequência, nas baixas marés, velhas ruínas de muralhas”. Segundo essas testemunhas, tratar-se-ia de “grande obra de que nunca se ouviu falar”.
Algumas ruínas parecem indicar construções dos tempos dos romanos, que dominaram a região antes dos celtas.
Por outro lado, em dias de mar calmo, pescadores de Douarnenez diziam ter ouvido muitas vezes soar os sinos sob as águas da baía. E de vez em quando suas redes ou linhas apanhavam curiosos objetos.
Entre a lenda e a história real há sempre uma zona nebulosa, de incerteza. O fato é que Ys sublimou-se na atraente figura de uma bela cidade submersa, com uma catedral magnífica cujos sinos tangem ao sabor das ondas… ou dos anjos!
A beleza dessa lenda excita as imaginações, descrevendo Ys como a mais bela capital do mundo de então. Mais tarde Paris teria ocupado o seu lugar.
Um provérbio em língua bretã diz: “Depois que se inundou a cidade de Ys / Nada de mais belo se encontrou igual a Paris”.
Então a roda do destino deverá inverter-se, porque outro refrão diz: “Quando Paris for submersa, / A cidade de Ys ressurgirá”.
Ao tomar conhecimento de um sucinto relato dessa lenda, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira fez uma linda aplicação à fase da vida em que as pessoas ainda não perderam a sua inocência primaveril.
Teoricamente, todo católico que seja inteiramente fiel à graça sobrenatural poderia conservar a inocência até o final de sua vida. Na realidade, porém, a debilidade humana dificilmente o alcança.
Mas é possível! Muitos santos e santas conservaram a inocência mesmo em meio aos mais violentos combates, exteriores ou interiores, no anonimato de uma cela de convento como na vida pública ou familiar de um leigo.
Assim uma Santa Teresinha do Menino Jesus, um São Francisco de Assis e tantos outros.
E quanto mais avançam os anos, tanto mais é pungente essa luta.
É nessa fase que a pessoa, se não resolver ser santa, pode tornar-se cética, pragmática, materialista, sensual, ou simplesmente perder a fé!
Entretanto, se ela conservou um fundo de fidelidade à virtude, de religiosidade, de honestidade, de vergonha, ela poderá ainda ser tocada pelo eco dos sinos de uma catedral submersa no seu mar interior!
As infidelidades, pecados e omissões poderão ter obscurecido a visão maravilhosa da vida eterna, que afirmamos no Credo.
Então nos sentimos num mundo em que a nossa Ys ideal está sepultada no mar dos nossos crimes ou da nossa vida banal sem Deus!
Entretanto, como os pescadores bretões, de vez em quando ouvimos o tanger de sinos que das profundezas nos traz à memória o mundo ideal para o qual fomos criados.
É o apelo da graça, ou da inocência! Em qualquer idade podemos abraçá-la e estabelecer com ela um conúbio para a eternidade.
Creio ser bem esta a relação da lendária catedral submersa de Ys com a reconquista da inocência, na consideração de Plinio Corrêa de Oliveira.
No livro “Lembranças da infância e da juventude” (“Souvenirs d'enfance et de jeunesse” Calmann Lévy Éditeur, 1897) escreveu:
“Uma das lendas mais espalhadas na Bretanha fala de uma pretensa cidade de Ys, que numa época desconhecida, teria sida engolida pelo mar.
“Mostra-se em diversos pontos da costa, o local dessa cidade fabulosa e os pescadores vos apresentam estranhas narrações.
“Nos dias de tempestade, garantem eles, vê-se em meio às ondas a ponta das agulhas de suas igrejas. Nos dias de calmaria, ouve-se subir do fundo dos abismos marítimos o toque dos sinos, modulando o ritmo do dia.
“Com frequência me parece que eu tenho no fundo do coração uma cidade de Ys que toca ainda sinos que obstinadamente convocam para os ofícios sacros uns fiéis que já não ouvem mais.
“Por vezes eu me detenho para prestar ouvidos a essas trêmulas vibrações, que me parecem provir de profundezas infinitas, como se fossem vozes vindas de outro mundo. Na medida em que eu me aproximo da velhice, sobretudo, eu me deleito durante o repouso do verão prestando atenção nesses rumores longínquos de uma Atlântida desaparecida”.
Era o apelo da graça, da inocência, que ainda se fazia ouvir num coração empedernido no mal!
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