domingo, 24 de outubro de 2021

A catedral submersa

A "catedral submersa" na baía de Douarnenez
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






Na sua História da Liga na Bretanha, de fins do século XVI, um certo cônego Moreau escrevia sobre a baía de Douarnenez:

“Encontram-se ainda hoje pessoas antigas que, estando a pescar, sustentam ter visto com frequência, nas baixas marés, velhas ruínas de muralhas”. Segundo essas testemunhas, tratar-se-ia de “grande obra de que nunca se ouviu falar”.

Algumas ruínas parecem indicar construções dos tempos dos romanos, que dominaram a região antes dos celtas.

Por outro lado, em dias de mar calmo, pescadores de Douarnenez diziam ter ouvido muitas vezes soar os sinos sob as águas da baía. E de vez em quando suas redes ou linhas apanhavam curiosos objetos.

Entre a lenda e a história real há sempre uma zona nebulosa, de incerteza. O fato é que Ys sublimou-se na atraente figura de uma bela cidade submersa, com uma catedral magnífica cujos sinos tangem ao sabor das ondas… ou dos anjos!

A beleza dessa lenda excita as imaginações, descrevendo Ys como a mais bela capital do mundo de então. Mais tarde Paris teria ocupado o seu lugar.

Um provérbio em língua bretã diz: “Depois que se inundou a cidade de Ys / Nada de mais belo se encontrou igual a Paris”.

Então a roda do destino deverá inverter-se, porque outro refrão diz: “Quando Paris for submersa, / A cidade de Ys ressurgirá”.

Ao tomar conhecimento de um sucinto relato dessa lenda, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira fez uma linda aplicação à fase da vida em que as pessoas ainda não perderam a sua inocência primaveril.

Teoricamente, todo católico que seja inteiramente fiel à graça sobrenatural poderia conservar a inocência até o final de sua vida. Na realidade, porém, a debilidade humana dificilmente o alcança.

Mas é possível! Muitos santos e santas conservaram a inocência mesmo em meio aos mais violentos combates, exteriores ou interiores, no anonimato de uma cela de convento como na vida pública ou familiar de um leigo.

Assim uma Santa Teresinha do Menino Jesus, um São Francisco de Assis e tantos outros.

E quanto mais avançam os anos, tanto mais é pungente essa luta.

É nessa fase que a pessoa, se não resolver ser santa, pode tornar-se cética, pragmática, materialista, sensual, ou simplesmente perder a fé!

Entretanto, se ela conservou um fundo de fidelidade à virtude, de religiosidade, de honestidade, de vergonha, ela poderá ainda ser tocada pelo eco dos sinos de uma catedral submersa no seu mar interior!

As infidelidades, pecados e omissões poderão ter obscurecido a visão maravilhosa da vida eterna, que afirmamos no Credo.

Então nos sentimos num mundo em que a nossa Ys ideal está sepultada no mar dos nossos crimes ou da nossa vida banal sem Deus!

Entretanto, como os pescadores bretões, de vez em quando ouvimos o tanger de sinos que das profundezas nos traz à memória o mundo ideal para o qual fomos criados.

É o apelo da graça, ou da inocência! Em qualquer idade podemos abraçá-la e estabelecer com ela um conúbio para a eternidade.

Creio ser bem esta a relação da lendária catedral submersa de Ys com a reconquista da inocência, na consideração de Plinio Corrêa de Oliveira.


(Autor: Gabriel José Wilson. Catolicismo, março 2014).

Um escritor virulentamente anticristão nos fornece um exemplo da persistência dos apelos dessa inocência apesar de uma vida ostensivamente pecaminosa. Trata-se de Ernest Renan que abandonou o seminário para viver atacando a Igreja no século XIX.

No livro “Lembranças da infância e da juventude” (“Souvenirs d'enfance et de jeunesse” Calmann Lévy Éditeur, 1897) escreveu:

“Uma das lendas mais espalhadas na Bretanha fala de uma pretensa cidade de Ys, que numa época desconhecida, teria sida engolida pelo mar.

“Mostra-se em diversos pontos da costa, o local dessa cidade fabulosa e os pescadores vos apresentam estranhas narrações.

“Nos dias de tempestade, garantem eles, vê-se em meio às ondas a ponta das agulhas de suas igrejas. Nos dias de calmaria, ouve-se subir do fundo dos abismos marítimos o toque dos sinos, modulando o ritmo do dia.

“Com frequência me parece que eu tenho no fundo do coração uma cidade de Ys que toca ainda sinos que obstinadamente convocam para os ofícios sacros uns fiéis que já não ouvem mais.

“Por vezes eu me detenho para prestar ouvidos a essas trêmulas vibrações, que me parecem provir de profundezas infinitas, como se fossem vozes vindas de outro mundo. Na medida em que eu me aproximo da velhice, sobretudo, eu me deleito durante o repouso do verão prestando atenção nesses rumores longínquos de uma Atlântida desaparecida”.

Era o apelo da graça, da inocência, que ainda se fazia ouvir num coração empedernido no mal!





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domingo, 10 de outubro de 2021

Don Galcerán De Pinós, o cruzado liberado por Santo Estevão

Santo Estevão, Salamanca
Santo Estevão, Salamanca
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
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No século XII, Afonso, Imperador de Castela, sustinha renhidas batalhas contra o rei mouro de Granada.

O Conde de Barcelona acudiu em sua ajuda, fretando naves catalãs e genovesas.

Era almirante das primeiras, Galcerán Guerras de Pinós. Em seu afã das vitórias, se adiantou demasiado no território mouro e caiu prisioneiro.

Seus pais, os senhores de Bagá, estavam desesperados. O Conde de Barcelona se pôs em tratos com o Rei de Granada, para ver que resgate pedia pelo almirante Galcerán.

O Rei de Granada, enfurecido por ter perdido Almería, pediu um resgate exorbitante: cem mil dobles, cem cavalos brancos, cem vacas bragadas, cem panos de ouro de Tanis, e o que era pior de tudo, mais cem donzelas.

Os senhores de Bagá se aterrorizaram ante a última condição e decidiram que, apesar de muita dor que lhes causava ter o filho cativo dos mouros, não podiam consentir, para que ele fosse devolvido, que tantos pais sofressem a dor de ver perdidas para sempre suas filhas.

Não obstante, foram muitos os argumentos dos poderosos senhores que opinaram que o povo devia sacrificar-se, e que o almirante representava uma grande ajuda para a Cristandade.

Aquele que tivesse quatro filhas, devia entregar duas; o que tivesse duas, daria uma, e o que tivesse uma seria sorteado com outro que tivesse uma também.

Recolheram por fim, tudo quanto o Rei mouro de Granada queria e partiram, para embarcar na praia da Salon.

Santo Estevão, catedral de Newcastle
Santo Estevão, catedral de Newcastle
Entretanto, Galcerán Guerras de Pinós, estava encerrado numa masmorra imunda, sofrendo todos os horrores da escravidão. Com ele se achava também o cavaleiro Sancerni, senhor de Sull.

Várias vezes haviam tentado fugir, sem conseguir. Outras tantas quiseram subornar a seus guardas, e tampouco tiveram êxito.

Galcerán, que era mais jovem sonhava constantemente com sua casa de Bagá, seus salões, seus jardins e sua capela. A lembrança disso trouxe a sua mente o desejo de encomendar-se a Santo Estevão, o patrono de sua casa.

Rezou com grande fervor, encomendando ao santo sua salvação. Terminada sua reza, os cativos viram que se havia aberto a porta de sua masmorra e um homem celestial, aproximando-se de D. Galceran levou-o para fora.

O almirante sempre cortês e caritativo, parou na porta, indicando com o olhar ao senhor de Sull, que ficaram muito assustado.

Então o santo falou, para que ele também se encomenda-se ao seu patrono.

Fez assim, o cavaleiro de Sancerní, rezando com o mesmo fervor a ao Dionizio, o qual não deixou de acudir, libertando a ele também.

Ambos se encontraram caminhando livres à meia-noite e com grande surpresa, se encontraram com o clarear do dia em Tarragona.

Continuando pelos caminhos de Bagá, vieram de pronto uma multidão silenciosa que marchava em direção contrária.

Perguntaram aonde iam, e um homem de gesto grave e dolorido lhes respondeu que se dirigiam para Granada pagar o resgate de Dom Galcerán e de D. Sancerní, para o qual haviam sacrificado cem donzelas.

Os cavaleiros, então, se deram a conhecer, e entre felicitações a Deus empreenderam todos o caminho até Tarragona.

Mais tarde, quando Valencia foi libertada, o almirante mandou levantar a igreja de Santo Estevão, daquela capital, em ação de graças.

Hoje, entretanto, se recorda a aventura que tanta angustia proporcionou a tantas famílias do senhor de Galcerán, de pais e filhos, se conta as peripécias dos cavaleiros, cujos sepulcros se conservam na história do mosteiro de Santo Creno. (p.198 e 199)


(Fonte: V. Garcia de Diego, Antologia de Leyendas de la Literatura Universal, Editorial Labor S.A., Madrid-Espanha, 1ª edição, 1953).



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