domingo, 6 de março de 2022

São Francisco pegou o diabo que apareceu a Frei Rufino

São Francisco, frei Silvestro e o exorcismo de Arezzo., Giotto
São Francisco, frei Silvestro e o exorcismo de Arezzo., Giotto
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs



Frei Rufino, um dos mais nobres homens de Assis e companheiro de São Francisco, homem de grande santidade, foi um tempo fortissimamente combatido e tentado na alma, pelo demônio, sobre a predestinação, de que ele estava todo melancólico e triste.

Porque o demônio lhe tinha posto no coração que estava danado e não era dos predestinados à vida eterna, e que se perdia o que ele fazia na Ordem.

Durando aquela tentação muitos dias, e ele por vergonha não a revelando a São Francisco, sem deixar todavia de fazer as orações e a abstinência de costume; porque o inimigo lhe começou a juntar tristeza sobre tristeza, além da batalha interior, combatendo-o ainda exteriormente com falsas aparições.

Pelo que de uma vez lhe apareceu em forma de crucifixo e disse-lhe:

“Ó Frei Rufino, por que te afliges com penitências e orações se não és dos predestinados à vida eterna?

“E crê em mim, porque sei a quem escolhi e predestinei, e não creias no filho de Pedro Bernardone, se ele te disser o contrário, nada lhe perguntes sobre isso, porque nem ele nem ninguém mais o sabe, senão eu, que sou o filho de Deus.

“Portanto crê-me com certeza que és do número dos danados; e o filho de Pedro Bernardone, teu pai, e ainda o pai dele são danados e todo aquele que o seguir está danado e enganado”.

Ditas estas palavras, Frei Rufino começou a ficar entenebrecido pelo príncipe das trevas e já perdia toda a fé e o amor que tinha por São Francisco, cuidando de não lhe dizer nada.

Mas o que ao pai santo não disse Frei Rufino, revelou o Espírito Santo.

Pelo que São Francisco, vendo em espírito o tal perigo do dito frade, mandou Frei Masseo a ele; ao qual Frei Rufino respondeu:

“Que tenho eu que ver com Frei Francisco?”

Então Frei Masseo, todo cheio de divina sabedoria, conhecendo a falácia do demônio, disse:

“Ó Frei Rufino, não sabes que Frei Francisco é como um anjo de Deus, o qual tem iluminado tantas almas no mundo e do qual recebemos a graça de Deus?

“Por isso quero que a todo transe vás a ele; porque vejo claramente que estás enganado pelo demônio”

São Francisco, na igreja de São Francisco da Penitência, Rio de Janeiro.
São Francisco, na igreja de São Francisco da Penitência, Rio de Janeiro.
E dito isto Frei Rufino levantou-se e foi a São Francisco; e vendo-o vir de longe São Francisco começou a gritar:

“Ó Frei Rufino mauzinho, em quem acreditaste?”

E Frei Rufino aproximando-se, ele lhe disse em ordem toda a tentação que tinha tido do demônio dentro e fora; mostrando-lhe claramente que aquele que lhe havia aparecido fora o demônio e não Cristo, e que por maneira nenhuma ele devia consentir em suas sugestões.

“Mas – disse São Francisco – quando o demônio te disser ainda:

“Tu estás danado”, responde-lhe:

“Abre a boca que a quero encher de esterco; e este te seja o sinal de que ele é o demônio e não Cristo: porque, desde que lhe dês tal resposta, imediatamente fugirá. E por isso ainda já devias ter conhecido que ele era o demônio, porque te endureceu o coração a todo bem, o que é próprio do seu oficio; mas Cristo bendito nunca endurece o coração do homem fiel, antes o enternece, conforme disse pela boca do profeta: 'Eu vos tomarei o coração de pedra e vos darei um coração de carne"'.

Então Frei Rufino, vendo que S. Francisco lhe dizia assim por ordem todo o modo de sua tentação, compungido por suas palavras começou a chorar fortissimamente e a venerar São Francisco e humildemente reconheceu sua culpa de ter-lhe ocultado a tentação.

E assim ficou todo consolado e confortado pelas admonições do pai santo e todo mudado para melhor.

Depois finalmente lhe disse São Francisco:

“Vai, filho, e confessa-te e não deixes a ocupação da oração costumada e tem como certo que esta tentação é de grande utilidade e consolação, e em breve o experimentarás”.

Voltou Frei Rufino à sua cela na floresta; e estando com muitas lágrimas em oração, eis que vem o inimigo em figura de Cristo, segundo a aparência exterior, e disse-lhe:

“Ó Frei Rufino, não te disse que não confiasses no filho de Pedro Bernardone e que não te fatigasses com lágrimas e orações, porque estás danado?

“Que te vale afligir-te enquanto estás vivo, se depois que morreres serás danado?”


E subitamente Frei Rufino respondeu ao demônio: 

São Francisco, na igreja de Ordem Terceira de São Francisco em São Paulo
São Francisco, na igreja de Ordem Terceira de São Francisco
em São Paulo.
“Abre a boca, que a quero encher de esterco”.

Pelo que o demônio enraivecido imediatamente partiu com tanta tempestade e comoção de pedras do monte Subásio, existente perto dali, que por grande espaço de tempo durou o desabamento das pedras que caíam em baixo; e era tão grande o choque que davam umas nas outras a rolar, que lançavam faíscas horríveis de fogo no vale.

E pelo rumor terrível que faziam, São Francisco e os companheiros saíram do convento para ver que novidade era aquela; e ainda se vê ali aquela ruína grandíssima de pedras.

Então Frei Rufino manifestamente percebeu que havia sido o demônio que o tinha enganado.

E voltando a São Francisco, de novo se lançou em terra e reconheceu sua culpa. E São Francisco confortou-o com doces palavras e o mandou consolado à sua cela.

Na qual estando em oração devotíssimamente, Cristo bendito lhe apareceu e toda a sua alma inflamou de divino amor e disse:

“Bem fizeste, filho, de crer em Frei Francisco, porque aquele que te havia contristado era o demônio; mas eu sou o Cristo teu mestre e, para te dar a certeza, dou-te este sinal: enquanto viveres, não sentirás mais tristeza nenhuma nem melancolia”.

E dizendo isto Cristo partiu, deixando- o com tanta alegria e doçura de espírito e elevação de mente, que passou aquele dia e a noite absorto e arroubado em Deus.

E dora em diante foi tão confirmado em graça e segurança de salvação, que se mudou inteiramente em outro homem, e teria ficado dia e noite em oração a contemplar as coisas divinas, se os outros o tivessem deixado.

Pelo que dizia dele São Francisco, que Frei Rufino tinha sido canonizado em vida por Jesus Cristo e que na presença ou na ausência dele não duvidava de chamar-lhe São Rufino, bem que fosse ainda vivo na terra.

Em louvor de Cristo. Amém



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3 comentários:

  1. Esse fioreti nos dá uma grande lição: não esconder as tentações ou ataques do demônio daqueles que nos podem ajudar. Quando escondemos as tentações do demônio, elas ganham força. Devemos procurar ajuda de um bom padre, entendido em assuntos espirituais e que possa nos ajudar a nos libertar dessas tentações ou ataques do demônios.

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  2. Interessante como esse fioretti mostra as formas de ação do demônio. De uma simples tentação, o frei começou a ser molestado de forma extraordinária pelo demônio. Com efeito, as tentações são as formas simples pelas quais o demônio age, mas há outras formas de ele agir chamadas ações extraordinárias do demônio. O exorcista português, Pe. Duarte Souza Lara, explica em um vídeo quais são essas formas, que têm crescido no mundo de hoje, devido a vários fatores.
    Exorcista explica diferenças entre: Opressão, Vexação, Obsessão, Infestação e a Possessão
    https://youtu.be/ZcF62TrIfqo
    (A explicação de obsessão não ficou muito clara, mas, de qualquer forma, não deixa de ser um vídeo interessante.)

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  3. O Padre Gabriel Amorth, em um de seus livros (Vade Retro, Satanás), dá uma definição clara de obsessão; definição com a qual concordam a maioria dos exorcistas: "A obsessão ocorre quando uma pessoa é acometida por pensamentos obsessivos invencíveis, dos quais não consegue, absolutamente, libertar-se nem desviar-se e os quais a levam sempre mais ao desespero e, nos casos extremos, ao suicídio. Infelizmente, este último é um dos resultados que o Demônio se propõe a obter como destruidor, também nas outras formas [de ação demoníaca], mas sobretudo nos casos de obsessão, nos quais com frequência a pessoa é impelida ao desespero e, portanto, ao desejo ou à tentativa de tirar a própria vida."
    O caso de Frei Rufino narrado nesse Fioretti parece se enquadrar na definição de obsessão dada pelo Pe. Gabriel Amorth, definição com a qual concordam a maioria dos exorcistas.

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