Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Um belo dia falando o Conde Lucanor com Patronio, seu conselheiro, disse:
— Patronio, um homem que diz ser meu amigo começou a me louvar dando a entender que eu tinha muito poder e muitas qualidades boas. Após muitos louvores ele me propôs um negócio que, a primeira vista, me pareceu muito proveitoso.
Então, o conde contou a Patronio o negócio que o amigo propunha e que parecia muito interessante. Mas Patronio percebeu que pretendia enganar o conde com formosas palavras.
Por isso disse:
— Senhor Conde Lucanor, deveis saber que esse homem quer vos enganar e fala que vosso poder e vosso estado são maiores do que na realidade são. Para evitar a enganação por ele aprontada gostaria que soubesses o que aconteceu ao corvo com a raposa.
O conde quis saber o que houvera.
— Senhor Conde Lucanor – disse Patronio –, o corvo certa vez achou um grande pedaço de queijo e pousou num galho para comê-lo tranquilamente, sem ser molestado.
Mas aconteceu de uma raposa passar por baixo da árvore e quando viu o queijo, começou a urdir o jeito de roubá-lo.
E foi assim que disse:
— Belo Corvo, há muito que ouço falar de vós, da vossa nobreza e da vossa galhardia. Embora eu vos tenha procurado por toda parte, nem Deus nem minha sorte me permitiram encontrar-vos antes.
Mas, agora que vos vejo, acredito que sedes muito superior a tudo quanto me diziam. E para que vejais que não procuro bajular-vos, não somente falarei de vossos bons dons, mas também dos defeitos que vos atribuem.
Todos dizem que, sendo preta a cor de vossa plumagem, olhos, patas e garras, e sendo que o preto não é tão belo como as outras cores, o fato de ser assim preto vos torna muito feio.
Mas eles não percebem seu erro, pois embora vossas plumas sejam pretas, elas têm um tom azulado, como as do pavão, que é a mais bela das aves.
E posto que os olhos foram feitos para ver, enxerga-se melhor quando são pretos e por isso todos louvam os olhos da gazela, que os têm mais escuros que qualquer animal.
Além do mais, vosso bico e vossas garras são mais fortes que as de qualquer outra ave de vosso tamanho.
Também vos quero dizer que voais com tanta velocidade que podeis ir contra o vento, ainda quando é muito forte, coisa que muitas outras aves não podem fazer tão facilmente como vós.
Por tudo isso acredito que, Deus que tudo faz bem, não teria consentido que vós, tão perfeito em tudo, não pudesses cantar melhor do que o resto das aves.
A raposa ao corvo: "eu me sentiria muito ditosa ouvindo o vosso canto"
E porque Deus me concedeu a dita de vos ver e de comprovar que sedes mais belo do que dizem, eu me sentiria muito ditosa ouvindo o vosso canto.
E quando o corvo se sentindo tão bajulado pela raposa e achando que era verdade tudo o que dizia, supus que não estava sendo logrado, mas que era sua amiga e não suspeitou que falava só para lhe tirar o queijo.
Ludibriado por palavras e afagos, o corvo abriu o bico para cantar e agradar a raposa. Quando isso fez, o queijo caiu por terra.
Pegou-o logo a raposa e fugiu com ele.
Assim o corvo ficou iludido pelas bajulações de seu falso amigo, que lhe fez acreditar que era mais belo e mais perfeito do que realmente era.
Senhor Conde Lucanor, atentai que, embora a intenção da raposa fosse enganar o corvo, sempre falou verdades pela metade. Tende certeza que uma enganosa meia-verdade produz os piores males e os maiores prejuízos.
A vós, senhor Conde Lucanor, a quem Deus outorgou muitos bens, aquele homem quer vos convencer de que vosso poder e estado superam em muito a realidade. Acreditai que ele o faz para vos enganar.
E, por tanto, deveis ficar prevenido e agir como homem de bom juízo.
O conde ficou muito agradado pelo que falou Patronio e seguiu seu conselho. E pelo bom conselho evitou ser enganado.
E tendo ouvido o Infante Don Juan este conto achou que era bom e ordenou que fosse incluído nos livros. E compôs estes versos que resumem a moral da história:
sempre procura te tirar alguns bens.
El conde Lucanor
El conde Lucanor é um livro narrativo da literatura de Castela medieval, escrito entre 1330 e 1335 pelo infante Don Juan Manuel, Príncipe de Villena.
O título completo e original em castelhano medieval é Libro de los enxiemplos del Conde Lucanor et de Patronio (Livro dos exemplos do conde Lucanor e de Patronio).
O livro compõe-se de cinco partes, sendo a série de 51, exempla ou contos moralizantes, a mais conhecida.
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