domingo, 27 de março de 2022

O corvo e a raposa

O corvo e a raposa
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs




Um belo dia falando o Conde Lucanor com Patronio, seu conselheiro, disse:

— Patronio, um homem que diz ser meu amigo começou a me louvar dando a entender que eu tinha muito poder e muitas qualidades boas. Após muitos louvores ele me propôs um negócio que, a primeira vista, me pareceu muito proveitoso.

Então, o conde contou a Patronio o negócio que o amigo propunha e que parecia muito interessante. Mas Patronio percebeu que pretendia enganar o conde com formosas palavras.

Por isso disse:

— Senhor Conde Lucanor, deveis saber que esse homem quer vos enganar e fala que vosso poder e vosso estado são maiores do que na realidade são. Para evitar a enganação por ele aprontada gostaria que soubesses o que aconteceu ao corvo com a raposa.

O conde quis saber o que houvera.

— Senhor Conde Lucanor – disse Patronio –, o corvo certa vez achou um grande pedaço de queijo e pousou num galho para comê-lo tranquilamente, sem ser molestado.

Mas aconteceu de uma raposa passar por baixo da árvore e quando viu o queijo, começou a urdir o jeito de roubá-lo.

E foi assim que disse:

— Belo Corvo, há muito que ouço falar de vós, da vossa nobreza e da vossa galhardia. Embora eu vos tenha procurado por toda parte, nem Deus nem minha sorte me permitiram encontrar-vos antes.

Mas, agora que vos vejo, acredito que sedes muito superior a tudo quanto me diziam. E para que vejais que não procuro bajular-vos, não somente falarei de vossos bons dons, mas também dos defeitos que vos atribuem.

Todos dizem que, sendo preta a cor de vossa plumagem, olhos, patas e garras, e sendo que o preto não é tão belo como as outras cores, o fato de ser assim preto vos torna muito feio.

Mas eles não percebem seu erro, pois embora vossas plumas sejam pretas, elas têm um tom azulado, como as do pavão, que é a mais bela das aves.

E posto que os olhos foram feitos para ver, enxerga-se melhor quando são pretos e por isso todos louvam os olhos da gazela, que os têm mais escuros que qualquer animal.

Além do mais, vosso bico e vossas garras são mais fortes que as de qualquer outra ave de vosso tamanho.

Também vos quero dizer que voais com tanta velocidade que podeis ir contra o vento, ainda quando é muito forte, coisa que muitas outras aves não podem fazer tão facilmente como vós.

A raposa ao corvo: "eu me sentiria muito ditosa ouvindo o vosso canto"
A raposa ao corvo: "eu me sentiria muito ditosa ouvindo o vosso canto"
Por tudo isso acredito que, Deus que tudo faz bem, não teria consentido que vós, tão perfeito em tudo, não pudesses cantar melhor do que o resto das aves.

E porque Deus me concedeu a dita de vos ver e de comprovar que sedes mais belo do que dizem, eu me sentiria muito ditosa ouvindo o vosso canto.

E quando o corvo se sentindo tão bajulado pela raposa e achando que era verdade tudo o que dizia, supus que não estava sendo logrado, mas que era sua amiga e não suspeitou que falava só para lhe tirar o queijo.

Ludibriado por palavras e afagos, o corvo abriu o bico para cantar e agradar a raposa. Quando isso fez, o queijo caiu por terra.

Pegou-o logo a raposa e fugiu com ele.

Assim o corvo ficou iludido pelas bajulações de seu falso amigo, que lhe fez acreditar que era mais belo e mais perfeito do que realmente era.

Senhor Conde Lucanor, atentai que, embora a intenção da raposa fosse enganar o corvo, sempre falou verdades pela metade. Tende certeza que uma enganosa meia-verdade produz os piores males e os maiores prejuízos.

A vós, senhor Conde Lucanor, a quem Deus outorgou muitos bens, aquele homem quer vos convencer de que vosso poder e estado superam em muito a realidade. Acreditai que ele o faz para vos enganar.

E, por tanto, deveis ficar prevenido e agir como homem de bom juízo.

O conde ficou muito agradado pelo que falou Patronio e seguiu seu conselho. E pelo bom conselho evitou ser enganado.

E tendo ouvido o Infante Don Juan este conto achou que era bom e ordenou que fosse incluído nos livros. E compôs estes versos que resumem a moral da história:

Quem acha em ti qualidades que não tens,
sempre procura te tirar alguns bens.



El conde Lucanor
El conde Lucanor é um livro narrativo da literatura de Castela medieval, escrito entre 1330 e 1335 pelo infante Don Juan Manuel, Príncipe de Villena.
O título completo e original em castelhano medieval é Libro de los enxiemplos del Conde Lucanor et de Patronio (Livro dos exemplos do conde Lucanor e de Patronio).
O livro compõe-se de cinco partes, sendo a série de 51, exempla ou contos moralizantes, a mais conhecida.


CRUZADAS CASTELOS CATEDRAIS HEROIS ORAÇÕES CIDADE SIMBOLOS
AS CRUZADASCASTELOS MEDIEVAISCATEDRAIS MEDIEVAISHERÓIS MEDIEVAISORAÇÕES E MILAGRES MEDIEVAISA CIDADE MEDIEVALJOIAS E SIMBOLOS MEDIEVAIS

domingo, 20 de março de 2022

Frei Conrado livra o jovem frade do purgatório

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






Frei Conrado de Offida, admirável zelador da pobreza evangélica e da Regra de São Francisco, foi de tão religiosa vida e de tanto mérito para com Deus, que Cristo bendito em vida e na morte o honrou com muitos milagres.

Entre os quais uma vez tendo ido como forasteiro ao convento de Offida, os frades pediram-lhe pelo amor de Deus e da caridade que admoestasse um frade jovem que havia naquele convento.

Esse jovem procedia tão infantilmente e desordenadamente que perturbava os velhos e os jovens daquela família.

E do oficio divino e das outras regulares observâncias pouco ou nada se importava.

Pelo que Frei Conrado, por compaixão daquele jovem e pelos pedidos dos frades, chamou à parte o dito jovem.

E com fervor de caridade lhe disse tão eficazes e devotas palavras de admoestação, que com a operação da divina graça ele subitamente se mudou de moço em velho de costumes.

Ficou tão obediente e benigno e solicito e devoto, e ainda tão pacífico e serviçal, e tão cuidadoso para com todas as coisas de virtude, que, como primeiramente toda a família vivia perturbada por ele, assim depois todos estavam contentes e consolados e grandemente o amavam.

Adveio, como aprouve a Deus, que poucos dias depois desta conversão o dito jovem morreu; do que os ditos frades muito se lamentaram.

Poucos dias depois da morte sua alma apareceu a Frei Conrado, estando ele devotamente em oração, diante do altar do dito convento, e o saudou devotamente como a seu pai.

Frei Conrado lhe perguntou:

– “Quem és?”

Respondeu:

– “Eu sou a alma daquele frade jovem que morreu há dias”.

E Frei Conrado:

– “Ó filho caríssimo, que é feito de ti?”

Respondeu ele:

–“Pela graça de Deus e pela vossa doutrina vou bem, porque não estou danado: mas por certos pecados meus, os quais não tive tempo de purgar suficientemente, suporto grandíssimas penas no purgatório: mas te peço, pai, que, como por tua piedade me socorreste quando eu era vivo, assim agora queiras socorrer-me nas minhas penas, dizendo por mim algum pai-nosso, porque a tua oração é muito aceita de Deus”.

Então Frei Conrado, consentindo benignamente no pedido e dizendo por ele uma vez o pai-nosso com requiem aeternam, disse aquela alma:

–“Ó pai caríssimo, quanto bem e quanto refrigério eu sinto! Peço-te que o digas uma outra vez”.

E Frei Conrado disse e, dito que foi, disse a alma:

Nossa Senhora do Carmo resgata almas do Purgatório. Catedral de São Sebastião, Espanha.
–“Santo pai, quando tu rezas por mim, sinto-me todo aliviado; pelo que te peço que não cesses de rezar por mim”.

Então Frei Conrado, vendo que aquela alma era tão ajudada pelas suas orações, disse por ela cem pai-nossos e tendo terminado, disse aquela alma:

–“Agradeço-te, pai caríssimo, da parte de Deus pela caridade que tiveste comigo; porque pelas tuas orações estou livre de todas as penas e me vou ao reino celestial”.

E dito isto partiu aquela alma.

Então Frei Conrado, para dar alegria e conforto aos frades, lhes contou por ordem toda aquela visão.

Em louvor de Cristo bendito. Amém.


A existência do Purgatório e as imensas dores das almas que – embora aprovadas no Juízo de Deus – ali vão para purgar faltas cometidas nesta vida, é uma terrível realidade.

Não é apenas algo de que se fala solo nos contos piedosos.

As almas no Purgatório, com permissão divina, podem aparecer aos vivos para pedir orações e assim saírem mais cedo de aquele local de penitência e dores amarguíssimas.

Sinal deixada por uma alma em fogo.
Museu do Purgatório, Roma
Em Roma, há uma igreja consagrada inteiramente a rezar por elas. E os fiéis devem fazê-lo especialmente no Dia de Defuntos.

Em Roma, há um Museu das Almas do Purgatório onde se podem ver marcas de fogo e outros sinais deixados por essas almas.

CLIQUE AQUI e veja mais sobre essa igreja romana e sobre o museu, e o que conta o pároco sobre a impressionante realidade do Purgatório.



CRUZADAS CASTELOS CATEDRAIS HEROIS ORAÇÕES CIDADE SIMBOLOS
AS CRUZADASCASTELOS MEDIEVAISCATEDRAIS MEDIEVAISHERÓIS MEDIEVAISORAÇÕES E MILAGRES MEDIEVAISA CIDADE MEDIEVALJOIAS E SIMBOLOS MEDIEVAIS

domingo, 13 de março de 2022

O cofre de oro do castelo de Dreistein

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs




Na região de Ottrot havia muitos castelos. Infelizmente, o tempo transformou-os em ruínas.

Mas, há pessoas que acham que eles ainda estão habitados pelos fantasmas dos antigos e riquíssimos senhores. Isso deu origem à lenda do “cofre de oro do castelo de Dreistein”.

Há muito tempo, uma moça passeava sozinha pela floresta à procura de alguns fungos para reforçar sua pobre sopa, aliás, bem fraca.

Seus olhos estavam fatigados após procurar tanto entre o capim o pouco que havia de comestível naquela época de seca.

Por trás de um pequeno mato ela ficou surpresa vendo um homem belo, vestido como um príncipe que caminhava galantemente no bosque.

‒ “Deve ser que meus olhos estão fatigados demais e me enganam”, pensou ela.

Lutzelbourg, ruínas do castelo
Certamente, ela deve ter pronunciado a frase em voz alta, pois a figura voltou-se para ela.

Mas como ela era magra como uma palha, o homem galante não conseguiu vê-la, e continuou então a fazer seu caminho.

‒ “Vai ser interessante ir atrás dele, pensou. Assim vou ter uma história para contar voltando a casa”.

Esse belo moço não parecia caminhar, mas pairar sobre o chão, de tal maneira seus movimentos estavam cheios de graça.

A moça seguia-o sempre a certa distância para não chamar a atenção.

Assim, ela foi se afastando cada vez mais de sua aldeia até chegar perto das ruínas do castelo de Dreistein.

Nesse momento, ela viu faiscar com mil resplendores ... um cofre cheio de ouro e joias !....

Tentando se elevar para ver melhor, ela pisou num galho seco e o ruído fez que o jovem se voltasse para ela.

Ela ficou muito confusa, porque uma moça virgem e direita como ela não deve ir atrás de um homem.

Mas, o gentil-homem não se mostrou incomodado. Até, pelo contrário, fez-lhe sinal de se aproximar para ver o tesouro.

Ela avançou porque aquele belo homem não parecia perigoso e as joias pareciam tão lindas.

‒ “A gente nunca deve desperdiçar a ocasião de agradar os próprios olhos”, pensou.

Mas, curiosamente, quanto mais ela avançava, mais o jovem afundava na gruta que há embaixo das ruínas do castelo. Mas, isso não a preocupava.

Ela estava hipnotizada pelo cofre. Até que, em fim, o jovem desapareceu na noite negra de uma gruta sem fundo.

Lutzelbourg, caverna
A moça estava perto do cofre, quando, subitamente, um animal gigantesco, deforme e feroz surgiu do fundo do negro abismo.

O jovem gentil-homem viria em seu auxílio. Não!

Os olhos do monstro desencarnado eram ameaçadores. A mandíbula era gigantesca e seus aterrorizantes dentes apontavam para ela.

Ela compreendeu logo que esse monstro de ultra-tumba protegia o tesouro e que não lhe faria mal se ela não o tocava. O que fazer?

Ela decidiu voltar na aldeia para falar com seu prometido. Quando acabou o relato, o futuro marido disse-lhe:

‒ “Mas, como Vc. pôde ser tão covarde?”

‒ “Mas...”

‒ “Algumas moedas desse cofre não teriam significado uma perda para o dono, mas para todos nós teria significado a mudança de nossa vida”, berrou ele.

Monte Santa Odila, padroeira da Alsácia
‒ “Quer dizer, Vc. sabe...”

‒ “Bom, e o que é que falou esse cachorro guardião do cofre?”, tempesteou ele.

‒ “Vc. é tão forte e corajoso... eu te guio e te mostro o local. Aí, vc. pega as moedas e também um colar para mim”, sussurrou ela langorosamente.

Eles partiram. Ele ia a toda e ela com reserva e prudência.

Mas, a decepção foi grande. Nenhum sinal do gentil-homem, cão nenhum e, sobre tudo, nada de cofre.

Nem mesmo uma moedinha pelo chão.

Nada!

O enigma do cofre e do cachorro percorreu a região toda. Todo o mundo queria sua parte do butim.

Mas, jamais apareceu homem, cachorro ou tesouro.

A verdadeira riqueza provém do trabalho honesto e nunca de sonhos de olhos abertos.




CRUZADAS CASTELOS CATEDRAIS HEROIS ORAÇÕES CIDADE SIMBOLOS
AS CRUZADASCASTELOS MEDIEVAISCATEDRAIS MEDIEVAISHERÓIS MEDIEVAISORAÇÕES E MILAGRES MEDIEVAISA CIDADE MEDIEVALJOIAS E SIMBOLOS MEDIEVAIS

domingo, 6 de março de 2022

São Francisco pegou o diabo que apareceu a Frei Rufino

São Francisco, frei Silvestro e o exorcismo de Arezzo., Giotto
São Francisco, frei Silvestro e o exorcismo de Arezzo., Giotto
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs



Frei Rufino, um dos mais nobres homens de Assis e companheiro de São Francisco, homem de grande santidade, foi um tempo fortissimamente combatido e tentado na alma, pelo demônio, sobre a predestinação, de que ele estava todo melancólico e triste.

Porque o demônio lhe tinha posto no coração que estava danado e não era dos predestinados à vida eterna, e que se perdia o que ele fazia na Ordem.

Durando aquela tentação muitos dias, e ele por vergonha não a revelando a São Francisco, sem deixar todavia de fazer as orações e a abstinência de costume; porque o inimigo lhe começou a juntar tristeza sobre tristeza, além da batalha interior, combatendo-o ainda exteriormente com falsas aparições.

Pelo que de uma vez lhe apareceu em forma de crucifixo e disse-lhe:

“Ó Frei Rufino, por que te afliges com penitências e orações se não és dos predestinados à vida eterna?

“E crê em mim, porque sei a quem escolhi e predestinei, e não creias no filho de Pedro Bernardone, se ele te disser o contrário, nada lhe perguntes sobre isso, porque nem ele nem ninguém mais o sabe, senão eu, que sou o filho de Deus.

“Portanto crê-me com certeza que és do número dos danados; e o filho de Pedro Bernardone, teu pai, e ainda o pai dele são danados e todo aquele que o seguir está danado e enganado”.

Ditas estas palavras, Frei Rufino começou a ficar entenebrecido pelo príncipe das trevas e já perdia toda a fé e o amor que tinha por São Francisco, cuidando de não lhe dizer nada.

Mas o que ao pai santo não disse Frei Rufino, revelou o Espírito Santo.

Pelo que São Francisco, vendo em espírito o tal perigo do dito frade, mandou Frei Masseo a ele; ao qual Frei Rufino respondeu:

“Que tenho eu que ver com Frei Francisco?”

Então Frei Masseo, todo cheio de divina sabedoria, conhecendo a falácia do demônio, disse:

“Ó Frei Rufino, não sabes que Frei Francisco é como um anjo de Deus, o qual tem iluminado tantas almas no mundo e do qual recebemos a graça de Deus?

“Por isso quero que a todo transe vás a ele; porque vejo claramente que estás enganado pelo demônio”

São Francisco, na igreja de São Francisco da Penitência, Rio de Janeiro.
São Francisco, na igreja de São Francisco da Penitência, Rio de Janeiro.
E dito isto Frei Rufino levantou-se e foi a São Francisco; e vendo-o vir de longe São Francisco começou a gritar:

“Ó Frei Rufino mauzinho, em quem acreditaste?”

E Frei Rufino aproximando-se, ele lhe disse em ordem toda a tentação que tinha tido do demônio dentro e fora; mostrando-lhe claramente que aquele que lhe havia aparecido fora o demônio e não Cristo, e que por maneira nenhuma ele devia consentir em suas sugestões.

“Mas – disse São Francisco – quando o demônio te disser ainda:

“Tu estás danado”, responde-lhe:

“Abre a boca que a quero encher de esterco; e este te seja o sinal de que ele é o demônio e não Cristo: porque, desde que lhe dês tal resposta, imediatamente fugirá. E por isso ainda já devias ter conhecido que ele era o demônio, porque te endureceu o coração a todo bem, o que é próprio do seu oficio; mas Cristo bendito nunca endurece o coração do homem fiel, antes o enternece, conforme disse pela boca do profeta: 'Eu vos tomarei o coração de pedra e vos darei um coração de carne"'.

Então Frei Rufino, vendo que S. Francisco lhe dizia assim por ordem todo o modo de sua tentação, compungido por suas palavras começou a chorar fortissimamente e a venerar São Francisco e humildemente reconheceu sua culpa de ter-lhe ocultado a tentação.

E assim ficou todo consolado e confortado pelas admonições do pai santo e todo mudado para melhor.

Depois finalmente lhe disse São Francisco:

“Vai, filho, e confessa-te e não deixes a ocupação da oração costumada e tem como certo que esta tentação é de grande utilidade e consolação, e em breve o experimentarás”.

Voltou Frei Rufino à sua cela na floresta; e estando com muitas lágrimas em oração, eis que vem o inimigo em figura de Cristo, segundo a aparência exterior, e disse-lhe:

“Ó Frei Rufino, não te disse que não confiasses no filho de Pedro Bernardone e que não te fatigasses com lágrimas e orações, porque estás danado?

“Que te vale afligir-te enquanto estás vivo, se depois que morreres serás danado?”


E subitamente Frei Rufino respondeu ao demônio: 

São Francisco, na igreja de Ordem Terceira de São Francisco em São Paulo
São Francisco, na igreja de Ordem Terceira de São Francisco
em São Paulo.
“Abre a boca, que a quero encher de esterco”.

Pelo que o demônio enraivecido imediatamente partiu com tanta tempestade e comoção de pedras do monte Subásio, existente perto dali, que por grande espaço de tempo durou o desabamento das pedras que caíam em baixo; e era tão grande o choque que davam umas nas outras a rolar, que lançavam faíscas horríveis de fogo no vale.

E pelo rumor terrível que faziam, São Francisco e os companheiros saíram do convento para ver que novidade era aquela; e ainda se vê ali aquela ruína grandíssima de pedras.

Então Frei Rufino manifestamente percebeu que havia sido o demônio que o tinha enganado.

E voltando a São Francisco, de novo se lançou em terra e reconheceu sua culpa. E São Francisco confortou-o com doces palavras e o mandou consolado à sua cela.

Na qual estando em oração devotíssimamente, Cristo bendito lhe apareceu e toda a sua alma inflamou de divino amor e disse:

“Bem fizeste, filho, de crer em Frei Francisco, porque aquele que te havia contristado era o demônio; mas eu sou o Cristo teu mestre e, para te dar a certeza, dou-te este sinal: enquanto viveres, não sentirás mais tristeza nenhuma nem melancolia”.

E dizendo isto Cristo partiu, deixando- o com tanta alegria e doçura de espírito e elevação de mente, que passou aquele dia e a noite absorto e arroubado em Deus.

E dora em diante foi tão confirmado em graça e segurança de salvação, que se mudou inteiramente em outro homem, e teria ficado dia e noite em oração a contemplar as coisas divinas, se os outros o tivessem deixado.

Pelo que dizia dele São Francisco, que Frei Rufino tinha sido canonizado em vida por Jesus Cristo e que na presença ou na ausência dele não duvidava de chamar-lhe São Rufino, bem que fosse ainda vivo na terra.

Em louvor de Cristo. Amém



CRUZADAS CASTELOS CATEDRAIS HEROIS ORAÇÕES CIDADE SIMBOLOS
AS CRUZADASCASTELOS MEDIEVAISCATEDRAIS MEDIEVAISHERÓIS MEDIEVAISORAÇÕES E MILAGRES MEDIEVAISA CIDADE MEDIEVALJOIAS E SIMBOLOS MEDIEVAIS