domingo, 25 de junho de 2023

O monge que voltou 400 anos depois

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs




Em princípios do século décimo, vivia num convento de beneditinos um santo religioso, chamado frei Pacômio, que não podia compreender como os bem-aventurados não se cansam de contemplar por toda a eternidade as mesmas belezas e gozar dos mesmos gozos.

Um dia mandou-o o Prior a um bosque vizinho, para recolher alguma lenha.

Foi com gosto, mas mesmo no trabalho não o largavam as dúvidas.

De repente ouviu a voz de uma avezinha que cantava maravilhosamente entre os ramos.

Ergueu-se e viu um animalzinho tão encantador, como jamais vira em sua vida.

Saltava de um ramo para outro, cantando, brincando e internando-se na selva.

Seguiu-o frei Pacômio, todo enlevado, sem dar-se conta do tempo nem do lugar.

A certa altura a avezinha atirou aos ares o último e mais doce gorjeio e desapareceu.

Lembrando-se então de seu trabalho, frei Pacômio procurou o machado para voltar ao convento.

Mas — coisa estranha! — achou-o enferrujado. Quis pegar o feixe de lenha que ajuntara, mas não o encontrou.

— Alguém mo terá roubado? — pensou.

Pôs-se a andar, mas não encontrava o caminho. Chegou, afinal, à beira do bosque, mas não encontrou o mato que tão bem conhecia.

Ali estava agora um campo de trigo, em que trabalhavam homens desconhecidos.

Perguntou a um deles o caminho do mosteiro, pois de certo se havia extraviado.

Todos olharam para ele com surpresa, e em seguida indicaram-lhe o mosteiro.

Chegou afinal ao mosteiro. Mas — grande Deus! — como estava mudado!

Em lugar da casa modesta de sempre, viu um edifício magnífico ao lado de uma grandiosa capela. Intrigado, bateu à porta; um irmão desconhecido veio abrir.

— Sois novo aqui — disse-lhe Pacômio. — Eu venho do bosque aonde me mandou esta manhã o Prior D. Anselmo, para buscar lenha.

Admirado, o porteiro deixou ali o hóspede e foi avisar o Prior que estava na portaria um monge com hábito velho, barba e cabelos brancos como a neve, perguntando pelo Prior Anselmo.

O caso era curioso. O Prior, abrindo os registros do convento, descobriu o nome do Prior Anselmo, que ali vivera quatrocentos anos antes.

Continuou a ler, e achou nos anais daquele tempo o seguinte:

— Esta manhã frei Pacômio foi mandado buscar lenha no bosque e desapareceu.

Chamaram o hóspede e fizeram-no entrar e contar a sua história.

Frei Pacômio narrou o caso de suas dúvidas sobre a felicidade do paraíso, e o Prior começou a compreender o mistério.

Deus quis mostrar ao pio religioso que, se o canto de uma avezinha era capaz de encantar-lhe a alma por séculos inteiros, quanto mais a formosura de Deus há de embevecer os bem-aventurados por toda a eternidade, sem que eles jamais se cansem.


(Pe. Francisco Alves, C.SS.R., "Tesouro de Exemplos" - Vozes, Petrópolis, 1953)


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domingo, 11 de junho de 2023

O Capítulo dos animais

O leão condena o burro por uma falta mínima.
O leão condena o burro por uma falta mínima.
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
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Certa vez o leão ouviu que os frades faziam um Capítulo no qual todos se acusavam culpados dos pecados que tinham cometido e se submetiam a uma pena.

Disse então:

— “Ora, se os frades fazem um Capítulo de todos diante de seu superior, eu que sou o maior de todos os animais da terra e o senhor de todos eles, deverei ser pior?”

E logo mandou ordenar o Capítulo de todos os animais, para que comparecessem diante dele.

Uma vez todos reunidos, ele ocupou um trono e, assim que estava bem sentado, ordenou que todos se sentassem em volta dele.

E desde o trono, disse o leão:

— “Eu não quero ser pior do que os outros nisto. Quero que façamos um Capítulo como fazem os frades, e que nele se confesse todo pecado e mal feito; e, sendo eu o maior, quero saber de tudo. Eu ouvi falar que muitos males foram feitos por vós. Eu direi de quem é a vez de se acusar. Porém, quero que cada um confesse seu pecado. Vinde, um por um, todos a mim, vos acusando como pecadores daquilo que tendes feito”.

Ordenou então ao asno que fosse o primeiro a se penitenciar. O asno foi até o leão, e ajoelhando-se, disse:

— “Miserere, misericórdia!”

O leão falou:

— “O que fizeste, que fizeste? Dize-o logo”.

E o asno falou:

— “Miserere, eu pertenço a um camponês que certas vezes me carrega com um monte de palha e me leva até a cidade para vendê-la. E aconteceu que certa vez, enquanto andava, engoli um bocado sem que meu patrão percebesse. E assim fiz mais de uma vez”.

Então, disse o leão:

— “Oh, ladrão! Ladrão, traidor e malvado; não percebes todo o mal que fizeste? Quando é que poderás restituir o valor daquilo que tu roubaste e comeste?”

E logo ordenou que esse asno fosse preso e recebesse grande número de chibatadas. E assim foi feito.

Depois dele compareceu a cabra, que do mesmo modo se ajoelhou pedindo misericórdia.

Disse o leão:

— “O que é que tu fizeste? Oh, fala logo teu pecado”.

A cabra respondeu:

O julgamento da raposa
O julgamento da raposa
— “Meu Senhor, eu me acuso de minha culpa: certa vez, para fazer estrago, passei perto da horta de uma mulher, precisamente de uma viúva, que tinha muitas ervinhas odoríferas, salsa, manjerona, tomilho e até basilicão; e fiz muitas vezes dano às couves e a outras mudas, comendo suas pontas mais tenras.

“E após fazer dano a essa, também fiz mal a muitas hortas; e por vezes fiz dano de modo a não deixar nada que fosse verde”.

Disse então o leão:

— “Oh! Acabo de encontrar duas consciências muito diversas. Uma é muito subtil, até demais, e a outra é grossona, como a daquele ladrão do asno.

“Mas tu percebias o mal de comer essas ervinhas? Pois bem, vai em paz, vai não tenhas problema de consciência. Oh! Vai pura como eu. Não é necessário confessar esse pecado, é costume das cabras fazerem coisas dessas. Tens uma grande escusa, porque foste obrigada a fazer isso. Vai, vai, que eu te absolvo e não penses mais nisso”.

Depois da cabra apareceu a raposa, que se pôs de joelhos diante do leão.

Disse o leão:

— “Ora, confessa teus pecados. O que fizeste?

A raposa disse:

— “Miserere, eu recito minhas culpas. Matei muitas galinhas e as comi. E até certas vezes entrei no galinheiro onde dormiam, e tendo visto que não poderia chegar até elas, fingi que minha cauda era uma vara e que eu ia subir. E quando elas acreditaram, logo pularam para o chão; e então eu corri atrás delas e matei todas as que pude pegar; comi todas as que eu conseguia e as outras eu as deixava mortas; algumas vezes levei comigo mais de uma”.

Disse o leão:

— “Oh, como tendes uma consciência delicada! Em boa hora vai embora, vai! Em ti é natural tudo isso que fazes e eu não te darei penitência alguma, e nada te imputo como pecado. Também te digo que continues a agir corajosamente como fazes e não te acuses senão das galinhas que ficaram vivas”.

Tendo partido a raposa, apareceu o lobo e disse:

— “Meu Senhor, uma vez eu fui até o curral das ovelhas para ver como estava feito. Vós sabeis que a cerca em volta é alta, e eu comecei a pensar por onde poderia entrar facilmente. E assim que achei, procurei uma madeira que acho que era pesada como uma ovelha, para entrar e sair por cima dela. E assim fiz para não ser pego pelos cachorros. Entrei sorrateiramente e logo matei mais ovelhas do que tinha necessidade, e voltei carregando só uma”.

Disse o leão:

— “Oh, mais uma consciência delicada! Sabes o que te respondo? Não sintas dor de consciência por essas coisas. Doravante vai e faze galhardamente o que fazes sem te preocupar comigo”.

E assim que o lobo partiu, a ovelha entrou com a cabeça baixa, dizendo:

— “Be, be.”

São Bernardino de Siena foi autor de muitas fábulas moralizadoras. Benvenuto di Giovanni (1436 - 1509-1518)
São Bernardino de Siena foi autor de muitas fábulas moralizadoras.
Benvenuto di Giovanni (1436 - 1509-1518)
Disse o leão:

— “O que fizeste, mulher hipócrita?”

Ela respondeu:

— “Miserere, certas vezes em que passei pelas trilhas a cujo lado está semeado o capim, eu subi sobre um montículo e, vendo aquelas ervinhas verdes e tenras, não comi tudo, mas apenas as partes de cima, as mais tenras”.

Então disse o leão:

— “Oh maldita ladra, ladra traidora, foi assim que fizeste tanta maldade! E andas por ali dizendo ‘be, be’ enquanto roubas pela estrada! Oh, maldita ladra, quanto mal fizeste! Chega; dai-lhe muitas vergastadas; e dai-lhe tantas até surrá-la toda inteira, e fazei de modo que ela fique três dias sem comer coisa alguma”.

Pois bem, vedes tudo o que se tira deste conto!

Vós me entendestes?

O corvo não fura o olho de outro corvo. Quando um bicho ruim, como o lobo ou a raposa, faz uma coisa, o ruim acoberta para que não se veja.

Porém, se for a ovelhinha, ou o asno, quer dizer a viúva, a criança ou um coitadinho que diz ou faz alguma coisa pequena, o ruim pede: mata, mata. O lobo não come outro lobo, mas ele come a carne dos outros animais.

Oh, tu que governas, não punas com demasia o asno e a ovelha por pequenas coisas e não deixes de condenar o lobo e a raposa pelos seus grandes crimes!

O que deves fazer?

Escolhe a punição com prudência, discernindo a falta de uns e o crime dos outros.



(Autor: São Bernardino de Siena, “Apologhi e Novellette”, Intratext).


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domingo, 4 de junho de 2023

A cega curada

São Hilário
São Hilário
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
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Eu vos quero contar um exemplo que vale para todos nós.

Foi o caso de uma mulher que era cega, mas muito rica.

Ela gastou tudo o que tinha para enxergar um pouco de luz.

Porem gastou tudo. E Como ela não tinha mais para gastar, foi tocada por Deus, e pensou consultar a São Hilário…

E assim fez.

Quando o encontrou, lhe disse:

“Gastei tudo o que tinha para ter luz em meus olhos; di tudo aos médicos e aos remédios”.

O santo lhe mostrou como ela poderia ter agido muito melhor fazendo o que não fez: dar seu dinheiro aos pobres por amor de Deus em vez de dá-lo aos médicos e aos remédios.

Acrescia que ela também estava doente, e o santo lhe explicou que agindo assim teria sido curada.

Jesús cura um cego
Jesus cura um cego
Então ela, compreendendo e acreditando no que lhe disse o santo ficou muito arrependida por não ter feito isso.

Orou então para que Deus lhe desse saúde, compreendendo que era incapaz de satisfazê-lO de outra maneira senão pelo arrependimento.

E para isso fazendo o que não tinha feito porque não gostava: a penitência.

Vendo-a com tão boa disposição, São Hilario tirou um pouco de saliva de sua boca e colocou-a em seus olhos, e ela ficou imediatamente curada.

Assim, só porque ela se arrependeu de boa e pura fé, que ela ficou curada e recebeu a graça de Deus.




Autor: São Bernardino de Siena, “Apologhi e Novellette”, Intratext.