domingo, 22 de julho de 2018

A fonte milagrosa de Santa Enimia

Sainte-Enimie (em francês), ou Santa Enimia.
Sainte-Enimie (em francês), ou Santa Enimia.
As flores de lys no vestido indicam sangue real
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






No atual departamento de Lozère, ao longo do rio Tarn, encontra-se a vila medieval de Santa Enimia encravada nas rochas.

Seu nome está associado com uma princesa que não poderia deixar este lugar.

E seu estranho nome está ligado a uma legenda.

O fato aconteceu há muito tempo, por volta do ano de 615.

Enimia (ou Emma) foi uma princesa merovíngia, filha do rei Clotário II (584 - 629) e irmã do rei Dagoberto I (602/605 - 638/639).

Ela tinha uma beleza inigualável e atraia muitos pretendentes. Mas Enimia preferia se dedicar a Deus.

Infelizmente, como muitas vezes acontece, seu pai, o rei Clotário II decidiu em sentido contrário. Ele mandou-a chamar na sala e disse:

‒ “Filha, eu tenho observado que Você recusa todos os candidatos!”

‒ “Mas, pai, eu .......”

‒ “Deixe-me falar!”, disse o rei retorcendo seu belo bigode.

‒ “Sim, meu pai", respondeu a nossa Enimia olhando para baixo.

A ermida de Santa Enimia hoje
A ermida de Santa Enimia hoje
‒ “Desse jeito não haverá herdeiro para o reino!"

‒ “Mas, pai, eu ...”

‒ “Simplesmente, eu decido que você fique noiva de um dos meus barões. Assim seja!”

Apesar das lágrimas e dos repetidos pedidos para seu amado pai, ela não obteve a anulação da decisão real.

Desesperada, ela refugiou-se numa pequena capela e rezou a Deus para salvá-la de um casamento que ela não queria.

E eis que ela pegou uma praga, tal vez lepra, que a desfigurou e afastava dela todos os candidatos.

A doença era tão terrível que ela decidiu levar uma vida recolhida e deixar crescer o cabelo para esconder a doença.

Ela fechava-se numa sala escura, onde dormia e rezava.

Curiosamente, suas noites eram perturbadas por um sonho que voltava continuamente.

Uma voz aconselhou-lhe fazer abluções na água da fonte milagrosa de Burle.

Certa manhã, ela decidiu ir à procura dessa fonte maravilhosa.

Depois de uma longa viagem, ela encontrou-a no oco de um vale desconhecido e desabitado.

A princesa leprosa aproximou-se da beira da verde água e, apesar do frio da água, mergulhou inteiramente.

O milagre, então, aconteceu. Ela saiu da água resplandecendo beleza e recuperou o sorriso que tinha perdido havia tantos meses.

Enimia estava em condições de começar a viagem de volta.

Santa Enimia esmaga o dragão.
Ermida de Santa Enimia. A Santa esmaga o dragão.
Mas assim que ela se afastou do vale, a horrível doença reapareceu na sua branca pele.

Ela voltou à fonte e tomou banho muitas vezes.

Porém, cada vez que comparecia diante de seu pai, a horrenda doença voltava a cobrir seu corpo.

‒ “É um sinal divino”, pensou ela. “Eu devo morar junto à fonte”.

Foi assim que ela decidiu estabelecer-se perto da fonte de Burle.

Quando ela podia, ia rezar numa caverna que fica pouco acima da pequena aldeia.

Em torno da gruta da princesa começaram a acontecer prodígios e milagres.

E sua fama de santidade ficou tão grande que ainda muitos séculos depois, os romeiros vão até a aldeia para implorar suas bênçãos e mercês.


Oração de Santa Enimia pedindo a Deus que a conserve sempre virgem


Meu Senhor Deus, cheio de grande doçura

Conserva meu corpo puro de toda desonra,

De maneira que eu nunca possa provar esse prazer vil e malcheiroso

Para que me possas possuir como Vós me desejais

Casta e pura segundo Vossa vontade.

Amem.

Tradução ao português a partir do provençal vertido ao inglês por Simon Gaunt, Professor de Língua e Literatura Francesa, “Gender and Gender in Medieval French Literature”, Cambridge University Press, 11 de mai. de 1995 - 372 páginas

Original em provençal:


Senher Dieus, plen de gran dolsor,

Garda mon cors de dissonor,

Que no’m puescha penre talen

D’aquest deliech lait e puden,

Per so que tu’m pueschas aver

Casta, munda al tieu plazer.

(Fonte:

Original em provençal: Bertran de Marseille, “La vie de Sainte Énimie”, poème provençal du XIIIe siècle; pág. 26. https://archive.org/details/laviedesainten00bertuoft/page/6/mode/2up?q=dolsor

Bertran de Marseille, "La vida de santa Enimia", La Canourgue, La Confrérie, 2001, 112 p. (ISBN 2-9516861-0-2), https://fr.wikipedia.org/wiki/Bertran_de_Marseille)



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domingo, 8 de julho de 2018

Como os corvos enganaram as corujas

Patronio: "com certeza esse homem veio para vos enganar".
Patronio: "com certeza esse homem veio para vos enganar".
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs





O Conde Lucanor falando com Patronio, seu fiel conselheiro, disse:

– Patronio, estou em luta contra um inimigo muito poderoso. Ele tinha em sua casa um parente criado junto com ele e a quem ele tinha favorecido muitas vezes.

Mas, por causa de uma disputa entre eles, meu inimigo causou graves danos e desonrou seu parente ao qual devia muitas coisas.

O parente, pensando em aquelas ofensas e procurando forma de se vingar, quer se aliar comigo.

Acredito que vai ser um homem muito útil, porque poderia me aconselhar o melhor modo de fazer dano a meu inimigo, sendo que o conhece muito bem.

Pela grande confiança que vós mereceis e pelo vosso bom senso, vos rogo que me aconselheis sobre o modo de resolver esta questão.

– Senhor Conde Lucanor – disse Patronio – o primeiro que vos devo dizer é que com certeza esse homem veio para vos enganar.

E para que saibas como tentará consegui-lo, gostaria que soubesses o que aconteceu entre os corvos e as corujas.

O conde quis saber do que tinha acontecido naquele caso.

– Senhor Conde Lucanor – começou Patronio – os corvos e as corujas estavam em guerra entre si e os corvos levavam a pior parte porque as corujas só voam pela noite e no dia ficam escondidas em locais muito ocultos.