Patronio: "com certeza esse homem veio para vos enganar". |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
O Conde Lucanor falando com Patronio, seu fiel conselheiro, disse:
– Patronio, estou em luta contra um inimigo muito poderoso. Ele tinha em sua casa um parente criado junto com ele e a quem ele tinha favorecido muitas vezes.
Mas, por causa de uma disputa entre eles, meu inimigo causou graves danos e desonrou seu parente ao qual devia muitas coisas.
O parente, pensando em aquelas ofensas e procurando forma de se vingar, quer se aliar comigo.
Acredito que vai ser um homem muito útil, porque poderia me aconselhar o melhor modo de fazer dano a meu inimigo, sendo que o conhece muito bem.
Pela grande confiança que vós mereceis e pelo vosso bom senso, vos rogo que me aconselheis sobre o modo de resolver esta questão.
– Senhor Conde Lucanor – disse Patronio – o primeiro que vos devo dizer é que com certeza esse homem veio para vos enganar.
E para que saibas como tentará consegui-lo, gostaria que soubesses o que aconteceu entre os corvos e as corujas.
O conde quis saber do que tinha acontecido naquele caso.
– Senhor Conde Lucanor – começou Patronio – os corvos e as corujas estavam em guerra entre si e os corvos levavam a pior parte porque as corujas só voam pela noite e no dia ficam escondidas em locais muito ocultos.
Os corvos em guerra com as corujas |
Os corvos sofriam demais. Um deles muito esperto, vendo o grave dano que padeciam os seus, falou com seus primos corvos e encontrou um meio para se vingar das inimigas corujas.
Eis o modo que ele imaginou e pôs na prática: os corvos lhe arrancaram as plumas, exceto de alguma das asas, e por isso voava muito pouco e mal.
Assim recoberto de feridas foi ter com as corujas. Contou-lhes o mal e o dano que lhe causaram os corvos porque ele não queria a guerra contra as corujas.
Propôs, então, às corujas que se elas o aceitavam como companheiro estava disposto a lhes revelar as melhores formas de se vingar dos corvos e lhes fazer muito estrago.
Ouvindo isso, as corujas ficaram contentes porque acharam que com esse aliado poderiam derrotar a seus adversários os corvos. Então começaram a trata-lo muito bem e o tornaram partícipe de seus planos secretos e de seus projetos para a luta.
Porém, entre as corujas havia uma muito velha e experiente. E quando ficou sabendo a história do corvo, descobriu o engano que aprontava.
Foi então a explicar a trama à cabecilha das corujas, afirmando com toda certeza que aquele corvo foi se juntar com elas para conhecer seus planos e preparar sua derrota. Por isso tinham que afasta-lo logo dentre elas.
Mas a coruja sabida não conseguiu que seus irmãos lhe fizessem caso. E, vendo que não acreditavam nela, se afastou de todos e foi viver num local onde os corvos não poderiam encontra-la.
E as corujas, pese a tudo, continuaram confiando no corvo.
Quando as plumas lhe cresceram mais uma vez, o corvo disse às corujas que podendo voar, iria procurar os corvos e voltando contaria para as corujas onde estavam.
Então, as corujas todas se reunindo poderiam acabar com seus inimigos. E as corujas ficaram muito contentes.
As corujas acharam mais gostoso acreditar na mentira do corvo falso amigo. |
E sem nada temer, as destroçaram e mataram tantas corujas que os corvos ficaram como únicos vencedores.
Assim aconteceu às corujas por confiar no corvo que, por natureza, é inimigo delas.
Vós, senhor Conde Lucanor, sabeis que esse homem que quer se aliar convosco deve vassalagem a vosso inimigo. Por isso, ele e toda sua família são vossos inimigos também.
Aconselho-vos que o afasteis da vossa companhia porque é certo que pretende vos enganar e procura vosso mal.
Porém, se ele quiser vos servir desde fora de vossas terras, de maneira que nunca conheça vossos planos e não possa vos prejudicar e se verdadeiramente fizer tanto estrago àquele inimigo vosso de forma a nunca mais poder fazer as pazes com ele, então podereis confiar nesse parente despeitado, fazendo-o sempre com cautela para que não vos possa resultar perigoso.
O conde julgou que esse era um bom conselho, agiu de acordo com ele e lhe foi muito proveitoso.
O príncipe Dom João entendeu se tratar de um conto muito bom, mandou-o escrever neste livro e compôs estes versos que dizem assim:
“Aquele que antes costumava teu inimigo ser
Nem em nada nem nunca lhe deves crer”.
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Imprecionante.
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