domingo, 19 de dezembro de 2021

Réveillon tumultuado no castelo

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






Na manhã de Natal do ano de graça de 1212, a fortaleza de Vergy, situada sobre esta célebre e fantástica montanha, estava recoberta com um espesso manto de neve que lhe ficava muito bem.

No vasto pátio, a guarnição tinha aberto caminhos que conduziam às torres de defesa, aos prédios de serviço e aos grandes salões. Estas passagens conferiam à neve o ar de uma renda.

Do alto desse ninho de águia, a paisagem se mostra suntuosa. Os harmoniosos vales apareciam ainda mais suaves pela neve. Por todos os lados se viam aldeiazinhas feéricas de cujas chaminés se desprendiam dezenas de colunas fantasiosas de fumaça azulada e prazenteira.

Uma floresta de altas árvores rodeia o bastião, cada uma das quais se assemelhava a um grande candelabro de prata aceso para a festa.

Pelos caminhos que levam a Vergy grupos de cavalheiros e damas a cavalo chegavam dos castelos vizinhos. Eles pareciam quase desaparecidos entre suas roupagens de lã e seus veludos forrados com pele de raposa.

Seus narizes estavam vermelhos de frio, mas seus olhares brilhavam de alegria. Eram os convidados do Duque Eudes III e da duquesa Alix, que haviam decidido celebrar nesse Natal uma missa de ação de graças pelo nascimento de seu filho Hugo IV, acontecido na primavera.

Entre os visitantes que se dirigiam a Vergy havia um cortejo particularmente destacado: era o de Dom Arnaud II, abade de Cîteaux, grande personagem a quem o Duque pedira que prestigiasse com sua presença a cerimônia e celebrasse a missa pelo bebê.

Dom Arnaud aceitou. Uma escolta de cavaleiros e homens de armas deixou então a fortaleza para ir a seu encontro e trazê-lo por um bom caminho, garantindo ao mesmo tempo sua segurança contra os percalços de uma terra onde abundam os lobos e os bandidos de estrada.

Familiares e amigos começaram a se reunir. Assistidos por suas respectivas mães e sogras, Eudes e Alix acolhiam os convidados na grande sala do castelo.

Tudo estava previsto para que e o frio e as fadigas da viagem se desfizessem junto ao grande fogo da lareira. Vinhos quentes e calorosas palavras de boas-vindas faziam o resto.

Cada um tinha um quarto reservado segundo sua condição, tendo Dom Arnaud recebido a mais bela peça do alojamento destinado aos cônegos.

O crepúsculo foi deslumbrante. Os convidados subiram em grande número nas muralhas e para ver o disco vermelho desaparecer por trás das densas florestas da serra de Bruant. O pôr do sol de inverno naquela região é sempre feérico.

O céu transparente da noite deixou brilhar uma constelação de estrelas. O ambiente ficou sobrenatural, os portadores de tocheiros iam e viam, lançando suas sombras em movimento sobre as pedras e fazendo faiscar os cristais de neve.

Tocheiros foram instalados ao longo de todo o caminho que conduzia à capela, as velas foram acesas. Naquela noite, a pequena igreja românica ia estar cheia como jamais esteve.

Abriram-se as portas e o personagem mais importante entrou primeiro: o abade de Cîteaux, sem dúvida, seguido pelo Duque e a Duquesa, depois pelas babás Mahaut e Adeline que levavam o berço do futuro Hugo IV. Logo em seguida vinham a família, os amigos e os convidados. No fim as portas foram fechadas.

O clero e os coroinhas estavam reunidos detrás do altar. Os olhos de toda a assistência estavam postos naquele que era chamado na época de “Papa dos cistercienses”.

Ninguém prestou atenção num monge de hábito escuro escondido atrás de uma coluna da capela lateral. Um grande capuz ocultava-lhe a cabeça, mas um observador atento teria ficado surpreso contemplando na sombra seus olhares negros desprovidos de amenidade.

Ele tinha essas silhuetas flexíveis que permitem passar despercebido e parecia absorto em fervorosa oração.

O abade subiu ao altar e começou o Introito da Missa de meia-noite: “Dominus dixit ad me; filius meus es tu...”

No momento em que ele pronunciava essas palavras, uma rajada de ar quente apagou velas e candeias, inclusive a lâmpada a óleo que ardia dia e noite junto ao Santíssimo Sacramento.

Um murmúrio de surpresa percorreu a nave da igreja, mas o oficiante não perdeu seu sangue frio e continuou como se nada tivesse acontecido, enquanto o bedel reacendia os pavios.

Depois, precedido pela cruz processional e pelos coroinhas, o oficiante deixou o presbitério em direção à nave, cantando o Kyrie com os fiéis.

Mas, a meio-caminho suas pernas se recusaram ir mais longe, como se tivessem ficado de chumbo. Ele já não mais podia fingir desconhecer este segundo fenômeno.

Seu canto ficou afogado em sua garganta. Os fiéis estavam profundamente perturbados vendo nesses fatos maus presságios para o futuro Duque.

Não podendo avançar, o abade se viu obrigado a voltar para o altar. Ninguém observou que o abade tinha se detido exatamente à altura onde estava aquele monge em oração.

Porém, a Missa continuou, com os cantos gregorianos mais emocionantes que de costume. Não era para menos, pois entre os presentes havia valorosos cavaleiros que deram prova de sua bravura no sítio de São João d’Acre, por ocasião da Cruzada.

Chegada a hora da Elevação, todo mundo aguardava o toque da sineta para se ajoelhar sobre o chão de pedra. Mas por mais que o coroinha tocasse a sineta, som algum se ouvia!

Todos receberam a comunhão. Chegara por fim o momento de o bebê ser consagrado a Deus.

Contudo, uma trovoada interrompeu o abade, um relâmpago iluminou a igreja, e todas as lâmpadas apagaram-se de novo. Uma luminosidade amarela e um odor de enxofre escaparam da capela lateral.

Desta vez a desordem atingiu um auge: os guardas abriram as portas, e a multidão, que não mais aguentava, precipitou-se para fora.

Vários guardas foram atropelados e jogados por terra por um ser impetuoso cuja sombra gigantesca enveredou pelo caminho do Grande Rochedo.

Como anfitrião cônscio de seus deveres, o duque Eudes deu ordens para que os convidados fossem conduzidos logo para a grande sala de jantar onde o festim estava preparado.

Entretanto ninguém tinha fome, nem ousava levantar o olhar ou romper o silêncio.

Por fim, Dom Arnaud se animou a falar: com sua voz forte e sempre calma, ele explicou o que tinha acontecido, não sem antes dar sua bênção.

Ele disse que essas manifestações provinham de Lúcifer, o qual durante muito tempo viveu em Vergy disfarçado no triste cavaleiro Rodolfo, aquele que dizia vir das margens do Reno e que tentara seduzir em vão Margarita de Vergy.

Desde então ele manifesta seu despeito agindo em torno da fortaleza.

Dom Arnaud prometeu celebrar uma Missa de exorcismo no dia seguinte.

Novamente aberta a capela, descobriu-se que as lajes da capela lateral estavam completamente carbonizadas.

Nos anos que se seguiram os visitantes vinham vê-las, com um misto de curiosidade e temor.

Essa estranha noite de Natal continuou a correr de boca em boca durante muito tempo na Borgonha.

Mas o demônio achava que não tinha desabafado todo seu ódio contra a poderosa fortaleza de Vergy.

E encontrou um instrumento no rei Henrique IV, que foi um caudilho protestante nas guerras de religião.

Esse rei ordenou destruir o castelo. Ao canteiro da demolição viu-se então chegar um homem extremamente alto, de força hercúlea, que assumia trabalhos desmesurados; destruía com tanto zelo que nem olhava para as horas suplementares.

Até se comenta no vale de Vergy que em todos os anos, durante a noite de Natal, estranhos fogos faiscantes e espectros de sans-culottes fazem uma sarabanda por cima das ruínas do castelo.

Mas ninguém foi tão louco para ir verificar se isso é verdade.

(Fonte: Sophie e Béatrix Leroy d’Harbonville, “Au rendez-vous de la Légende Bourguignonne”, ed. S.A.E.P., Ingersheim 68000, Colmar, França, págs. 55-58)



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domingo, 12 de dezembro de 2021

As lendas medievais apresentam o verdadeiro aspecto de Nossa Senhora: a bondade sem limites de uma Mãe

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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Os devocionários medievais e as lendas sobre a devoção a Nossa Senhora na Idade Média, incluem algumas verdadeiras e outras imaginadas.

Mas todas elas apresentam a graça e a gentileza especial de Maria Santíssima no trato com as almas, de modo indizivelmente ameno e interessante.

Então, não nos interessa saber se o fato narrado é verdadeiro no que se refere à parte dos homens, porque a verdade está naquilo que o conto mostra de verdadeiro a respeito de Nossa Senhora.

Portanto, embora sejam lendas, como são teológicas e mariais, fazem-nos sentir bem quem é Nossa Senhora.

Por exemplo, a história de um menino órfão da Idade Média que tinha uma vontade enorme de ver Nossa Senhora e dava tudo para obter isto, ainda que tivesse de ficar cego.

Então, Nossa Senhora lhe fez saber que obteria a graça de vê-lA se ele aceitasse ficar cego de um olho.

Ele aceitou.

Então, Nossa Senhora lhe apareceu numa formosura resplandecente, imensamente bondosa, régia, condescendente, e ele ficou extasiado.

Quando a visão se dissipou, verificou que estava cego de um olho, não dos dois, e desmaiou. Após acordar, ficou com aquela nostalgia de Nossa Senhora…

Novo pedido e a pergunta: você consente em ficar cego do outro olho?

Ele ficou naquela dúvida…

– Consinto! Eu tenho tanta vontade de vê-La mais uma vez, que eu consinto em ficar cego do outro olho!

Então Nossa Senhora lhe apareceu, falou com ele, e quando a visão se dissipou, estava com os dois olhos em perfeito estado!

LEIA A HISTÓRIA COMPLETA EM:

* Um olho por minha Mãe

VEJA TAMBÉM AS CANTIGAS DE SANTA MARIA. CLIQUE AQUI

Eu não me interesso em saber se o fato é verdadeiro, porque o que eu sei é que Nossa Senhora é assim!

Ou seja, Ela pode nos fazer passar por um certo apuro para provar o amor e portanto tirar uma vista e fazer passar por estas angústias.

Mas em última análise Ela acaba sorrindo e, passando pelas necessárias provações, tudo se termina bem com um Seu sorriso.


(Autor: Plinio Corrêa de Oliveira excerto de uma palestra de em 18-05-1964, sem revisão do Autor)



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domingo, 5 de dezembro de 2021

O Menino Jesus do Espinho

Luis Dufaur
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Uma piedosa lenda de Natal conta que o Menino Jesus sentado num troneto brincou tecendo uma coroa de espinhos.

E um espinho machucou seu dedo indicador da mão direita.

Nesse momento, com ciência profética, Ele previu os sofrimentos que haveria de aceitar para redimir o genro humano.

Veja vídeo
CLIQUE PARA VIDEO:
o sonho do Menino
Jesus do Espinho
Em sua doçura de criança e na candura de sua inocência infinita Ele pressentiu as dores lancinantes de sua Paixão e Morte na Cruz.

Contemplou também a glória de sua Ressurreição.

escola de Murillo
Anteviu a Redenção da humanidade, o triunfo universal da Igreja e da Cristandade.

Na iconografia tradicional, o Menino Jesus do Espinho aparece sentado numa poltrona com braços de madeira, estofada em veludo vermelho, meditando sobre os futuros tormentos da Paixão.

Numa outra tela do célebre pintor espanhol Francisco de Zurbarán (1598-1664)  o Menino Deus contempla o dedo sangrando.

O rosto mais sereno parece velado pelo presságio do sofrimento vindouro trazido pela ferida.

Assim também e representado na tela da escola de Murillo.


Visite nossas páginas dedicadas ao Natal.

Anônimo sevilhano
É uma clara premonição da Paixão de Cristo, através de uma descrição suave e melancólica.

O contraste entre a inocência e a doçura da criança com o horror da tortura toca os mais nobres sentimentos dos fiéis.

E inspira uma meditação apropriada para o Advento, período litúrgico iniciado no último domingo de novembro, tempo penitencial que nos prepara para bem receber no Natal ao Menino Jesus.

A piedosa lenda tem, aliás, diversas narrações em volta do tema central.

No vídeo, oferecemos uma delas adaptada para a imagem.




Vídeo: o Menino Jesus do Espinho




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domingo, 28 de novembro de 2021

A fonte de Santa Reine

A fonte de Santa Reine, Alise, Borgonha
A fonte de Santa Reine, Alise, Borgonha

Luis Dufaur
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Havia pouco que a Gália se tornara cristã e os romanos já a atravessavam com estradas retas e seguras, templos de mármore e tijolo, fazendas bem ordenadas que eles chamavam de ‘vila’.

Em Alésia, César havia dado fim a Vercingétorix, acabando com a resistência dos gauleses.

Apesar da lembrança dos dias do sítio implacável, os nobres e os dirigentes empenhavam sua boa vontade em aplainar as dificuldades que podiam eclodir entre os novos senhores que pretendiam ser pacificadores, e os habitantes que povoavam os morros desde tempos imemoriais.

Os pontos de encontro eram a boa acolhida, o bom trato, a paciência, como também o comércio e os casamentos.

Romanos e gauleses trabalhavam para dar coesão ao país.

Porém, os romanos tinham um novo inimigo para combater: a religião cristã que se espalhava de modo cada vez mais rápido e profundo.

Foi nesse momento que um dia chegou a Alésia um certo Olibrius, prefeito do imperador, enviado para combater a nova religião.

Os nobres do burgo fizeram questão de recebê-lo bem.

Visitando a casa de um deles, Olibrius deitou o olho em Reine.

Ela era muito nova, muito bela e reservada.

A fonte de Santa Reine
A fonte de Santa Reine
Olibrius ficou apaixonado, mas ao mesmo tempo tinha a missão de aproximar os dois povos.

Pediu então ao pai a mão de sua jovem filha.

Porém, Reine se recusou.

O pai tentou convencê-la, explicou-lhe todo o bem que o casamento proporcionaria à pequena comunidade e ao país, mostrou-lhe as vantagens de tão belo partido.

Ele lhe rogou, chegou até ameaçá-la, mas Reine tinha uma boa razão para não se casar com Olibrius.

No fim, ela confessou: sua babá tinha feito dela uma cristã, e a cristã se recusava casar com um pagão.

A jovem foi jogada na prisão, numa cela escura e minúscula onde ficou privada de beber e comer.

As únicas visitas que recebeu foram de seu pai, que foi pressioná-la para que cedesse.

Depois chegaram os carrascos. Talvez a infeliz tivesse cessado de resistir se uma pomba não tivesse aparecido para reconfortá-la na prisão.

Por onde entrou essa pomba? De onde vinha? Ninguém soube.

Santa Reine, Alise, Borgonha
Santa Reine, Alise, Borgonha
Reine disse “não” mais uma vez. Ficou então decidido que seria afogada numa enorme bacia. Ela receava essa morte pelos suplícios morais que ela supunha, mas a preferia antes que renunciar à sua fé.

Porém, seu destino era maior: ela ia se tornar uma mártir, uma santa, e por isso aconteceriam milagres.

No dia do derradeiro suplício aconteceu um grande tremor de terra que abalou o morro e derrubou a bacia.

A pomba voltou e depositou uma coroa na testa de Reine.

Alguns acharam que talvez naquele momento sua vontade seria mais forte que a de seu pai.

Este, porém, não entendeu assim e, fora de si de tanta cólera, ordenou que cortassem a cabeça da filha.

Desta vez Reine perdeu a vida, mas não foi em vão.

Uma fonte começou a brotar no mesmo ponto onde seu sangue molhou o chão.

E a água que ali brotava logo curou doentes e enfermos que se encontravam nas vizinhanças.

Obviamente, com essa água que devolvia a saúde e punha fim aos males propagaram-se a fama da jovem mártir e os milagres da nova religião.

Hoje, no mês de setembro de cada ano, os peregrinos voltam a Alésia para ali beber a água de fonte de Santa Reine.



(Fonte: Sophie e Béatrix Leroy d’Harbonville, “Au rendez-vous de la Légende Bourguignonne”, ed. S.A.E.P., Ingersheim 68000, Colmar, França, págs. 26-27)




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