domingo, 28 de março de 2021

Os sarcófagos vazios de Quarré-les-Tombes

São Jorge, catedral de Estocolmo
São Jorge, catedral de Estocolmo
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs







No coração da região de Morvan, na Borgonha (França), entre os límpidos rios Cure e Cousin, uma aldeia tem um nome curioso: Quarré-les-Tombes, algo como o Cercado das Tumbas.

O nome vem da presença sempre inexplicável de grande número de sarcófagos vazios – lá chamados de “pierres carrées”.

A concentração nesse local de milhares de túmulos sem os respectivos restos sempre excitou a imaginação popular.

A história começa no século nono da era cristã. 

Os normandos – ou vikings – que naquela época eram pagãos, invadiam a França e remontavam os rios a bordo de seus grandes barcos, os drakkar.

Eles não somente matavam, pilhavam e queimavam tudo na sua passagem, mas também arrasavam as igrejas e dispersavam as santas relíquias.



Lutar contra os normandos equivalia não somente libertar o território, mas também partir em cruzada e, por essa via, conquistar o Paraíso.

Alguns dos túmulos vazios junto à igreja de Quarré-les-Tombes
Alguns dos túmulos vazios junto à igreja de Quarré-les-Tombes
Renaud, filho de Aymon, príncipe de Ardennes, foi um dos chefes mais célebres nesta guerra.

Certa feita, ele cavalgou durante vários dias à testa de seus cavaleiros sem repousar nem se alimentar, porque queria ir mais rápido que os normandos e pegá-los no centro do Morvan.

Como queria descansar um pouco num local fresco e calmo algumas horas antes da batalha que planejava provocar, Renaud amarrou seu cavalo num velho carvalho à sombra de uma floresta e deitou-se.

A grama parecia confortável, um rouxinol cantava maravilhosamente, o ar era agradável.

Sarcófagos dentro da igreja de Quarré-les-Tombes
Sarcófagos dentro da igreja de Quarré-les-Tombes
Tudo concorria para Renaud dormir – debilidade compreensível, pois ele estava esgotado para além do imaginável.

Os dois exércitos se entrechocaram enquanto o herói dormia.

Excitado pelo ruído das armas e dos gritos de combate, seu cavalo encheu-se de impaciência e, para acordar o dono, começou a relinchar e cavar o chão com tal violência que se enterrou até o ventre.

Por fim, tirado do sono pelo pobre animal, Renaud acorreu ao local do combate para sustentar seu exército que começava a arredar.

Jogou-se então de corpo inteiro na batalha, e os guerreiros, vendo-o de tal maneira engajado, recuperaram a coragem.

São Jorge, igreja de Hanworth, Inglaterra
São Jorge, igreja de Hanworth, Inglaterra
Os infiéis começaram a cair como espigas na colheita: o jogo de forças inverteu-se e logo não sobrou nenhum normando vivo.

Mas, nas hostes cristãs as perdas foram severas. E os sobreviventes ficaram donos do terreno, mas esgotados.

São Jorge, padroeiro dos cavaleiros, havia acompanhado a cena do alto do Céu e quis levar consigo ao Paraíso aqueles guerreiros mortos com tanta bravura.

Porém, para ir ao Paraíso era preciso que fossem enterrados em cemitério cristão.

Então o cavaleiro do Céu, armado com sua longa lança e montando seu belo cavalo branco, enviou uma chuva de sarcófagos destinados aos soldados de Renaud.

E fiz crescer um monte de espinheiros sobre o corpo dos incrédulos.

O cemitério foi consagrado pelos clérigos.

E depois que todos partiram, São Jorge levou os cruzados mortos para o Céu.

Quando em séculos posteriores os pesquisadores foram a abrir os féretros de Quarré-les-Tombes, descobriram que eles estavam vazios.



(Fonte: Sophie e Béatrix Leroy d’Harbonville, “Au rendez-vous de la Légende Bourguignonne”, ed. S.A.E.P., Ingersheim 68000, Colmar, França, págs. 42-43)








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