Carlos Magno |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Carlos Magno estava uma noite dormindo em seu palácio, não longe de Frankfurt, quando viu em sonho um anjo rodeado de uma auréola brilhante de luz sobrenatural.
O anjo se colocou diante do Imperador, e o saudou com estas palavras:
— Levanta-te, grande Imperador, e escuta a voz de Deus que fala por meus lábios. É necessário que saias esta noite sem que ninguém te acompanhe, para fazer um roubo. Se queres viver, obedece.
Acordou Carlos Magno, estranhando muito o que havia visto no sonho. E adormeceu de novo com isto na cabeça. Outra vez viu o anjo, que diante dele ordenava:
— Levanta-te, ó rei, prepara-te para cumprir as ordens que te dei. É para o teu bem e salvação do Império. Deus se serve de mim para dar-te a conhecer a sua imutável vontade.
Carlos Magno acordou e ficou pensativo a respeito duas aparições, mas adormeceu de novo. O anjo do Senhor o despertou com redobrada insistência, e exigiu com energia que se levantasse e saísse para roubar.
Levantando-se, decidiu obedecer e sair do palácio para fazer o tal roubo.
Em vão se esforçou para descobrir o sentido das palavras do anjo, que mandava um Imperador honrado fazer uma ação tão desonrosa.
— Para que hei de roubar? — pensava Carlos Magno.
— Eu, o homem mais poderoso, o dono absoluto das terras que se estendem desde o Danúbio até os extremos da Espanha, hei de passar por ladrão, como o mais miserável dos meus súditos? Que fiz eu? Desgraçado de mim! Que fiz, para merecer tal castigo da justiça divina?
Palácio de Carlos Magno, hoje catedral de Aquisgrão |
— Bem, roubarei, serei um ladrão, serei enforcado, se for preciso, pois Deus assim o quer.
E o Imperador de barba florida se levantou, vestiu-se, tomou suas brilhantes armaduras e saiu do palácio.
Passou pelo dormitório e refeitório dos servidores e escudeiros, que não o perceberam, pois estavam tomados de um pesado sono.
Foi à estrebaria, selou seu cavalo favorito e saiu do castelo. Dirigiu-se à selva vizinha, e ia pensando:
— Sendo Deus que manifestou sua vontade, e quer que eu faça uma coisa que me causa horror desde minha infância, eu a farei. Mas não sei como fazê-la, por isso vou procurar o famoso ladrão Elbegasto, que eu persegui sem tréguas. Neste momento ele me será útil.
E se lembrou de como havia desterrado por uma pequena falta o nobre Elbegasto, e desde então se havia transformado num ladrão.
Seria então esta atitude para com Elbegasto, que fazia Carlos Magno estar pagando aquela expiação?
Então a alma de Carlos Magno se encheu de compaixão para com a desgraçada vítima de suas iras, e admirou com humildade a justiça e os desígnios de Deus.
Na pálida luz da lua, o Imperador viu vir em sua direção um cavaleiro solitário. Este parecia igualmente ter visto Carlos Magno, e avançou de maneira que prontamente se iriam encontrar.
O cavaleiro estava com uma armadura toda negra, que o cobria da cabeça aos pés, e montava também um cavalo negro.
Chegou diante de Carlos Magno e o examinou com curiosa atenção, pois queria saber quem era este que cavalgava solitário pela floresta.
A cor negra do silencioso cavaleiro não parecia a Carlos Magno bom pressentimento. Tremia, pensando que poderia ser o próprio demônio, que tinha vindo ao seu encontro para perdê-lo. Por fim o misterioso cavaleiro falou com altaneria:
— Quem sois vós, coberto por branca armadura, que andais na noite, pelos caminhos sombrios da selva? Sois talvez um servidor do rei, que buscais neste bosque a pista de Elbegasto? Se cavalgais com esse objetivo, desisti, porque fracassareis. Mais rápido que o vento, mais astuto que os conselheiros do rei, esse homem conhece esconderijos e lugares selvagens, melhor que o veado e a raposa.
— Meu caminho não é o vosso — respondeu Carlos Magno.
— Somente o Imperador tem direito de pedir conta de minhas ações. E se o que disse não é de vosso gosto, estou disposto a sustentá-lo como convém a um cavaleiro.
Dizendo isto, tirou sua espada da bainha e se preparou para o combate. No mesmo instante o cavaleiro negro fez reluzir o branco aço de sua espada e começou a lutar.
O estrangeiro descarregou tão tremendo golpe no elmo de Carlos Magno, que a lâmina se quebrou em vários pedaços, e ele se encontrou indefeso. Carlos Magno ficou envergonhado de matar seu adversário desarmado, e lhe disse:
— Não quero vossa vida. Ficareis livre, se me disserdes quem sois e por que motivo andais por estes lugares.
— Eu sou Elbegasto — respondeu o outro. — Desde o dia em que perdi minha fortuna e Carlos Magno me expulsou do país, tenho procurado sobreviver por meio do roubo e do banditismo. Até aqui ninguém me venceu nesta minha humilhante carreira. Só vós o fizeste. E como me tratastes com generosidade e nobreza, dizei-me o que posso fazer para ajudar-vos, para testemunhar o meu agradecimento.
— Se sois o famoso bandido Elbegasto, cuja cabeça está a prêmio pelo Imperador, podeis testemunhar vosso reconhecimento se me ajudardes a cometer um roubo. Empreendi esta incursão noturna para roubar o Imperador. Vossa ajuda pode me ser útil para esse objetivo. Vinde pois comigo, e realizaremos um roubo juntos.
O bandido respondeu:
— Um momento! Jamais roubei a mínima coisa do rei. Se me tirou a fortuna e me desterrou, o fez por mentiras dos seus maus conselheiros. Longe de mim querer causar o menor dano ao meu senhor. Eu roubo somente aqueles que fizeram sua riqueza por meio do roubo, da cobiça ou do engano. Conheceis o conde Egerico de Egermonde? Vamos ao seu castelo. Ele tem arruinado homens honrados, e não vacilaria em roubar o Imperador de seu trono e tirar-lhe a vida, se tivesse meios para isto.
Carlos Magno se alegrou interiormente, descobrindo um profundo sentimento de fidelidade em Elbegasto, e lhe disse:
— Tu me acompanharás ao palácio de Egerico!
E juntos se dirigiram ao palácio do conde.
Palácio de Carlos Magno, abóveda, hoje catedral de Aquisgrão |
— Deve haver ladrões no castelo, vou ver.
Levantou-se rapidamente, acendeu uma tocha e percorreu os corredores e os quartos. Carlos e Elbegasto tiveram tempo de se esconder atrás de uma cortina do quarto do conde, onde ele não podia imaginar que estivessem, e não foram descobertos. Egerico apagou a tocha e voltou para a cama.
Então sua esposa lhe disse:
— Egerico, é certo que ninguém entrou no palácio. Penso que alguma preocupação o aflige, e é isto que o impede de repousar. Sua alma está perturbada por algum perigo imaginário. Diga-me o que o preocupa, para eu o ajudar.
— Já que a execução de meus planos será amanhã, vou lhe dizer. Fiz uma combinação com doze cavaleiros, de assassinarmos o Imperador, pois ele nos proibiu de cobrar tributos aos viajantes pelo caminho real. Ninguém sabe deste propósito, e te peço que guardes silêncio, caso contrário nem tua vida estará segura.
O Imperador não perdeu nenhuma palavra desse diálogo.
Quando o conde e sua esposa adormeceram, os dois saíram silenciosamente de seu esconderijo, e fora do castelo combinaram que Elbegasto iria até o Imperador para avisá-lo, mesmo que corresse o risco de ser preso.
Carlos rapidamente regressou para o palácio.
No dia seguinte, muito cedo, apresentou-se Elbegasto no palácio e pediu para falar com o Imperador.
Trono de Carlos Magno |
Então Carlos Magno se pôs de pé e disse:
— Sonhei esta noite que o conde Egerico viria ao palácio com doze dos seus, com a intenção de assassinar-me, da mesma forma que o bandido Elbegasto descreveu. Sua ira contra mim tem por causa a proibição que fiz, de obrigar os viajantes do caminho real a que paguem impostos a esses cavaleiros, que têm a alma de ladrões. Cuidei, pois, de que houvesse suficiente número de soldados para intervir, se fosse necessário.
Pelo meio-dia Egerico chegou com seus homens, e no momento em que entraram na sala real foram presos pelos soldados.
Debaixo de suas roupas foram encontradas armas escondidas. Surpreendidos e desconcertados, os bandidos quiseram negar seus sinistros propósitos.
Mas Elbegasto desafiou o desleal vassalo a singular combate, para que Deus fizesse justiça, e a cabeça de Egerico rolou, justamente cortada pelo golpe vigoroso de Elbegasto.
O Imperador chamou Elbegasto e o perdoou publicamente, dando-lhe o cargo de conselheiro, com a condição de que renunciasse às suas atividades desleais.
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