Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
São Francisco, servo de Cristo, indo uma vez à tarde à casa de um grande gentil-homem poderoso, foi por ele recebido e hospedado, com o companheiro, como anjos do paraíso, com grandíssima cortesia e devoção.
Pelo que São Francisco lhe tomou grande amor, considerando que ao entrar em casa o tinha abraçado e beijado amigavelmente, e depois lhe havia lavado os pés e acendido um grande fogo e preparado a mesa com muito boas iguarias; e enquanto comiam, ele com semblante alegre os servia continuamente.
Ora, tendo acabado de comer São Francisco e o companheiro, disse este gentilhomem:
‒ “Eis, meu pai, ofereço-me a vós e as minhas coisas; quando precisardes de túnica ou de manto ou de outra coisa qualquer, comprai que eu pagarei; e vede que estou pronto a prover-vos em todas as vossas necessidades, porque pela graça de Deus eu o posso, porquanto tenho em abundância todos os bens temporais, e por amor a Deus que mos deu, eu os dou de boa vontade aos seus pobres”.
Pelo que, vendo São Francisco tanta cortesia e afabilidade nele e os grandes oferecimentos, concebeu tanto amor por ele que, tendo depois partido, ia dizendo ao seu companheiro:
‒ “Em verdade este gentil-homem seria bom para a nossa companhia, o qual é tão grato e reconhecido para com Deus e tão amorável e cortês para com o próximo e os pobres.
“Deves saber, irmão caríssimo, que a cortesia é uma das propriedades de Deus, o qual dá seu sol e sua chuva aos justos e aos injustos por cortesia, e a cortesia é a irmã da caridade, a qual extingue o ódio e conserva o amor.
“E porque reconheci neste bom homem tanta virtude divina, de boa vontade o quereria por companheiro: por isso quero que tornemos um dia a ele, se talvez Deus lhe tocar o coração e ele quiser ser nosso companheiro no serviço de Deus.
“E entretanto pediremos a Deus que lhe ponha no coração este desejo e lhe dê a graça de pô-lo em prática”.
Admirável coisa! Daí a poucos dias, feita que foi a oração por São Francisco, Deus pôs o desejo no coração daquele gentil-homem; e disse São Francisco ao companheiro:
‒ “Vamos, irmão meu, ao homem cortês; porque tenho certa esperança em Deus de que, com a sua cortesia das coisas temporais, ele se dará a si mesmo para nosso companheiro”.
E foram, e chegando perto da casa dele, disse São Francisco ao companheiro:
‒ “Espera-me um pouco, porque quero primeiramente pedir a Deus que torne próspero nosso caminho; e que a nobre presa, a qual pensamos de arrancar ao mundo, seja por vontade de Cristo concedida a nós pobrezinhos e débeis pela virtude de sua santíssima paixão”.
E dito isto, pôs-se em oração, num lugar em que pudesse ser visto pelo dito homem cortês; de onde, como prouve a Deus, olhando ele distraído para aqui e para ali, viu São Francisco estar em oração devotíssimamente diante de Cristo, o qual com grande caridade lhe aparecera na dita oração e estava diante dele.
E via São Francisco ser por bom espaço de tempo levantado da terra corporalmente.
Pelo que ele foi tão tocado por Deus e inspirado para deixar o mundo, que no mesmo instante saiu do palácio e no fervor de espírito correu para São Francisco e, aproximando-se dele que estava em oração, ajoelhou-se-lhe aos pés e com grandíssima instância e devoção rogou-lhe que permitisse recebê-lo para fazer penitência juntamente com ele.
Então São Francisco, vendo que sua oração era atendida por Deus e o que ele desejava aquele gentil-homem pedia com instância, pôs-se em pé e em fervor e letícia de espírito o abraça e beija devotamente, agradecendo a Deus, o qual tinha aumentado sua companhia com um tão perfeito cavaleiro.
E dizia aquele gentil-homem a São Francisco:
‒ “Que ordenas que eu faça, pai meu? Eis, estou pronto para dar aos pobres, por tua ordem, o que possuo e a seguir contigo a Cristo, descarregado de todas as coisas temporais”.
E assim fez que, segundo a ordem de São Francisco, distribuiu seus bens aos pobres e entrou na Ordem e viveu em grande penitência e santidade de vida e conversação honesta.
Em louvor de Cristo. Amém.
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Quem seria esse gentil homem?
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