Santa Maria dos Reis, Laguardia, Espanha |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Antigamente o lago de Tiberíades não tinha esse nome. Foi somente algum tempo depois do fato que eu vou contar, que o filho do cruel Herodes construiu às suas margens a cidade que ele chamou Tiberíades, para fazer a sua corte.
O belo lago chamava-se Kinnereth, que quer dizer harpa, porque seus contornos harmoniosos dão exatamente a forma do instrumento musical tão familiar ao rei David.
Naqueles dias, após uma grande tempestade na montanha, caía a tarde e o vento levava a última nuvem.
O lago retomava sua calma habitual, e os numerosos pássaros que o visitam freqüentemente — corvos-marinhos, pelicanos, gaivotas, alciões, martins-pescadores — haviam, do modo mais belo, começado seus vôos e seus cânticos.
Na aldeiazinha de Nazaré, três crianças brincavam numa estrada, muito ocupadas em construir uma parede ou barragem para conter a água do caminho.
Depois, assim que esboçaram um pequeno lago parecido com o Kinnereth, tiveram a idéia de povoá-lo também de pássaros — pássaros de argila, claro.
Um deles fez qualquer coisa disforme, que tinha a pretensão de assemelhar-se a esses belos corvos-marinhos de grandes asas, que vêm de longe para caçar seus peixes.
O outro procurava transformar seu barro em pelicano, e fazia grande esforço para manter equilibrada a cabeça enorme e a bolsa suspensa ao pescoço.
O terceiro aperfeiçoava, com a delicadeza de suas mãozinhas, uma gaivota colocada na margem.
Entretanto anoiteceu. A Lua já se fazia ver, e as primeiras luzes se acendiam na aldeia.
Indiferentes à escuridão que os envolvia, os meninos prosseguiam seus delicados trabalhos,
Mas de repente ouviu-se uma voz chamando alguém:
— Lucas!
Lucas ainda não se mexeu. Foi preciso que sua mãe o chamasse mais uma vez.
Lucas, que pela segunda vez tentava equilibrar o bico do corvo-marinho sobre o bastão que lhe servia de pescoço, estava muito entretido em seu trabalho, para responder ao chamado.
— Lucas! Lucas! Lucas! — repetiu a voz.
E desta vez, afinal, de má vontade, decidiu-se a abandonar seu pobre corvo-marinho.
Assim que ele saiu, aquela obra-prima desmoronou e deixou de ser um corvo, mesmo de barro.
— Marcos! — chamou logo depois uma outra voz no crepúsculo.
— Já vou! Já vou! — respondeu ele. Mas não se mexeu, tentando reparar rapidamente a catástrofe.
— Marcos! Marcos! — retomou a voz, impaciente e com um certo azedume.
E também foi preciso que a mãe o chamasse uma terceira vez.
Desta vez Marcos obedeceu, não sem ter dado um pontapé em sua obra-prima, jogando-a dentro d’água, encolerizado.
Ficou apenas à margem do lago, ou do pequeno mar, iluminado pela Lua, o terceiro menino, que alisava sua gaivota de argila.
— Jesus! — chamou uma mulher na soleira da porta.
A voz muito doce encheu a noite, como um perfume o faria.
Logo o menino se levantou, deixando sua gaivota de barro.
E a gaivota de barro voou.
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