A maledicência. Detalhe de 'Cristo ante Pilatos', Hieronymus Bosch (1450 — 1516) |
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Houve um santo religioso que conhecia bem as coisas do mundo e havia percebido que nele não se podia encontrar quem não falasse mal dos outros.
Um dia, disse a um noviço:
— “Meu filho, pega nosso burrinho e vem comigo”.
O obediente mongezinho pegou o asno. Nele o velho religioso montou, seguido pelo jovem, que caminhava atrás. Enquanto iam entre as pessoas, atravessaram um local cheio de lama.
Então, alguém disse:
— “Olha isso! Quanta crueldade contra esse mongezinho que vai a pé. Deixá-lo andar entre tanta lama! E o velho vai a cavalo!”
Assim que o santo ouviu essas palavras, desceu logo do animal e pôs sobre ele o jovem monge. E andaram mais um pouco, com ele por trás guiando o asno no meio do barro.
Então apareceu outro que disse:
— “Olha que coisa estranha esse homem no animal! É o velho que deixa o jovem andar no cavalo sem se cuidar da fatiga e da lama. Você não acha que é uma loucura? Até que os dois poderiam ir sobre esse asno, se quisessem. Agiriam melhor!”
Então o santo religioso montou na garupa. E assim prosseguiram até aparecer outro e dizer:
— “Mas olha, esses que vão acima do pobre burrinho! Os dois montaram nele? Você não acha que eles não têm pena do coitado do burrinho, e que não seria estranho que ele acabasse desmaiando?”
Ouvindo isso, o santo sacerdote desceu logo e fez desmontar o jovem, e os dois seguiram a pé dizendo:
— “Vamos lá!”
Tendo andado mais um pouco, outro falou:
— “Meu Deus! Olha a loucura desses dois, que têm o asno, mas vão caminhando pelo lodo!”
E tendo o santo religioso visto isto e percebido que no mundo não havia pessoa que não ficasse murmurando, disse ao jovem monge:
— “Chega! Voltemos para a nossa morada”.
E tendo chegado até suas celas, o santo disse:
— “Vem cá, meu filho, você pensou na lição do asno?”
E o jovem monge disse:
— ”No quê?”
São Bernardino de Siena, autor de muitos contos morais. Pintor anônimo espanhol |
“Desci, coloquei-te na sela e outro também falou mal de nós, dizendo que eu sou velho e devia montar, e tu, que és jovem, devias caminhar.
“Também montamos os dois e ainda falaram mal, dizendo que éramos cruéis com o burrinho pelo excesso de carga. E ainda quando nós dois descemos, também murmuraram porque era loucura nossa andar a pé em vez de montar o jumento.
“Meu filho, guarda bem o que eu te vou dizer.
“Saibas que aquele que está no mundo fazendo todo o bem que pode fazer e que se empenha em fazer tudo o que lhe é possível de bom, não pode evitar que falem mal dele.
“Então, meu filho, não te incomodes com eles, nem ouças o que dizem, nem tenhas vontade de andar no meio deles, porque, seja como for, sempre se acaba perdendo, porque deles não sai senão pecado.
“Mas, não te incomodes com eles e faz sempre o bem. Deixa-os dizer o que bem entendem, falem bem ou falem mal”.
São Bernardino de Siena compôs fábulas moralizadoras. |
(São Bernardino de Siena (1380 — 1444) pregador e missionário franciscano, conhecido como "Apóstolo da Itália". Famoso já em seu próprio tempo por suas fortes pregações em praças e igrejas, principalmente contra a homossexualidade, infanticídio, bruxaria, feitiçaria, apostas, judeus e usuras. Foi um dos maiores propagadores da devoção ao Santíssimo Nome de Jesus e sistematizador da economia escolástica. Fonte: Wikipedia).
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