Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
Carlos Magno, numa de suas frequentes viagens, viu o abade de S. Gall preguiçosamente reclinado sobre almofadas à porta da abadia.
Carlos gostava de homens enérgicos e ativos, e o abade era indolente.
Além disso, o Imperador tinha mais de um motivo de queixa contra ele.
— Bom dia, Sr. Abade. Ainda bem que o encontro. Tenho a submeter à sua esclarecida razão três perguntas, às quais terá a bondade de me responder em sessão solene de nosso conselho imperial daqui a três meses, contados dia-a-dia.
Primeiro de tudo, desejo saber o meu valor em dinheiro.
Em segundo lugar, quanto tempo levaria para dar a volta ao mundo.
Em terceiro lugar, que estarei eu pensando no momento em que V. Revma. vier à minha presença, pensamento que deve ser um erro.
Trate de arranjar resposta satisfatória a tudo, do contrário deixará de ser abade de S. Gall, e terá de abandonar a abadia, montado num burro com a cara voltada para o rabo, se não o responder.
O abade não sabia a que santo recorrer. Mandou a todas as escolas, mas os doutores mais famosos pela sua ciência não lhe souberam dar resposta. No entanto, os dias iam correndo, e a época fatal aproximava-se.
Já não faltava senão um mês, já não faltava senão uma semana, e afinal só um dia.
O abade, que noutro tempo era gordo, estava magro como um esqueleto. Perdera o sono e o apetite.
Andava errante nos bosques, lamentando a sua desgraça, quando se encontrou com o seu pastor, o jardineiro da abadia.
— Bom dia, Sr. Abade. Parece que está mais magro. Anda doente?
— Ando, meu caro Félix, ando muito doente.
— Oh! meu rico amigo, eu lhe darei alguma erva que o possa curar.
— Infelizmente não são ervas que eu preciso, mas respostas às minhas três perguntas.
— É em latim?
— Não, não é em latim.
— Visto que não é em latim, queira V. Revma. dizer-me o que é. Minha mãe era uma pobre de Cristo, mas tinha resposta para tudo.
Quando o abade lhe formulou as três perguntas, o pastor atirou o barrete ao ar, e disse-lhe:
— Se é apenas isso, eu me encarrego de responder pelo Sr., e V. Revma. pode continuar a engordar. Mas para isso é necessário que eu vista o seu hábito.
No dia marcado, o pastor, disfarçado com o hábito do abade, foi introduzido na sala onde o Imperador presidia ao conselho do Império.
— Então, Sr. Abade, parece que está mais magro. Deu-lhe muito que pensar a chave do enigma? Vamos lá ver a primeira pergunta: quanto valho eu em dinheiro?
— Senhor, o Filho de Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, foi vendido por trinta dinheiros. Sua Majestade vale à justa vinte e nove, só um dinheiro a menos.
— Bravo, Sr. Abade! A resposta é hábil, e na realidade não posso deixar de me mostrar satisfeito. Mas vamos à segunda pergunta. Não há de ser tão fácil encontrar a resposta: Quanto tempo levaria eu a dar a volta ao mundo?
— Senhor, se Vossa Majestade se levantar ao romper do dia e puder seguir constantemente passo-a-passo o sol no seu giro, bastam-lhe vinte e quatro horas.
— Decididamente V. Revma. é um grande finório, e desta vez confesso-me vencido. Mas a terceira não é dessas a que se responde com suposições. Quem lhe há de dizer o que eu estou pensando, e como me há de provar que este pensamento é um erro? Tem a palavra, Sr. Abade.
— Senhor, Vossa Majestade pensa que eu sou o abade de S. Gall. E é um erro, porque sou o seu pastor e jardineiro.
— Mas então tu é que deves ser o abade de S. Gall. E desde já o ficas sendo.
— Não sei latim, mas se Vossa Majestade quer fazer-me um favor, peço-lhe outra coisa.
— Não tem mais que falar.
— Peço a Vossa Majestade que perdoe o meu amigo!
Carlos Magno, o Imperador, não era homem que faltasse à sua palavra.
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Muito bom!
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