domingo, 18 de agosto de 2019

Os dois irmãos: um no Purgatório e o outro... condenado?


Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






Na vila de Roma, essa nobre cidade, mestra e senhora de toda a Cristandade, havia dos irmãos de grande autoridade: um era clérigo e outro senador.

Pedro chamava-se o clérigo, pois esse era seu nome, varão sábio e nobre, do Papa cardeal. Mas, entre as qualidades tinha uma mácula: ele tinha grande avareza, um vício mortal.

Estevão era o nome do segundo irmão, entre os senadores não havia mais jovem, era muito poderoso no povo romano, mas no “prendo prendis” usava bem a mão.

Era muito cobiçoso e de muito queria se apropriar.

Falseava os julgamentos por vontade de possuir, roubava a todos os que podia roubar, prezava mais ter dinheiro que honradez.

Com falsos testemunhos seguindo seus caprichos tirou três casas oferecidas a São Lourenço, e por causa dele Santa Inês perdeu boas propriedades e uma horta que vale o ordenado de muitos senadores.



Morreu, então, o cardeal Pedro o honrado e foi ao Purgatório onde merecia ser levado.

E, poucos dias depois, o próprio Estevão era finado e aguardava o Juízo que o teria perdido.

São Lourenço o viu e fitou-o feiamente, apertou-lhe o braço três vezes duramente e queixou-se Estevão de uma dor até no ventre pelo fato da torquês de ferro apertar fortemente.

Também foi visto por Santa Inês a quem roubara a horta. Ela voltou-lhe as costas e o olhou de lado.

Santa Inês
Então disse Estevão:

“Isto é mau sinal, todas minhas ganâncias me trouxeram a mau porto”.

Deus Nosso Senhor, Juiz reto de quem nada se esconde nem em adega nem celeiro, fez saber que esse homem fora malfeitor, roubou a muitos, a ninguém poupou.

“Deserdou a muitos com difamações, nos seus pecados sempre agiu com aleivosia. Não merece entrar na nossa companhia. Vá jazer com Judas na esterqueira!”

Os guerreiros antigos o pegaram, aqueles que sempre foram nossos mortais inimigos, e davam-lhe como alimento, não maçãs nem figos, mas fumaça e vinagre, feridas e chibatadas.

Viu então a seu irmão o Cardeal junto com outros pecadores, onde estão os mesquinhos sofrendo com grandes suores, em meio a vozes e gritos, lágrimas e prantos, e grande abundância de maus servidores.

Estevão estava já perto da eterna morada onde nunca mais veria coisa que não fosse dolorosa, nem sol nem lua, nem orvalho, mas ficaria murado nas trevas.

Disse ele: “Dizei-me irmão, eu quero vos perguntar, por qual culpa jazes em local tão feio? Pois se Deus quiser e eu puder, procurarei vos socorrer em tudo o que eu souber”.

Disse Pedro, aquele que foi Cardeal:

“Em vida tive grande avareza, andei às voltas com o cobiça como se fosse minha amiga. Por isso agora estou posto em tão ruim tristeza. Quem mal age, assim é punido, a lei é justa.

“Porém, se o Papa com sua clerezia canta por mim missa somente um dia acredito que, pela Gloriosa mãe Santa Maria, Deus dar-me-á logo alguma melhoria”.

Em Estevão, de quem falamos tanto, entre muitas maldades, sob as aparências, havia uma coisa boa: ele amava a um santo e tanto que não poderíamos mostrar quanto.

Ele amava a Proyecto*, mártir de grande valor, observava sua festa como a do bom Jesus, oferecia-lhe ricos ofícios e muito louvor, auxiliava pobres e clérigos com quanto há de melhor.

Lourenço e Inês, embora despeitados porque ele os tinha deserdados, tiveram pena dele e ficaram sossegados, prestaram atenção mais a Deus que a seus pecados.

E foram onde Proyecto dizendo: “Proyecto, não fiques insensível, pensa em teu Estevão que anda perdido e devolvei-lhe o prêmio por aquilo em que ele te tem servido”.

Foi Proyecto ante a Gloriosa que brilha com mais luz do que as estrelas, e com grandes rogos pediu-lhe ir ante Deus junto com Ela.

E rogou por Estevão para que não fosse julgado segundo a justiça.

Ouvindo esta oração, disse Deus Nosso Senhor:

São Nicolau, São Lourenço, São Domingose Santo Antônio do Deserto
“Concedo mercê por vosso amor, volte ao corpo a alma pecadora, repare todo o que deve, então receberá esse honor.

“Tenha prazo de até trinta dias para reparar todas suas malfeitorias, esta é minha palavra e depois serão julgadas em definitivo todas suas obras”.

Deram “Gratias multas” a Deus os intercessores porque se apiedava dos pecadores e liberou essa alma dos demônios traidores que dos fieis são sempre ludibriadores.

Quando ouviu a sentença a gentalha endiabrada afastou-se da alma que tinham amarrada e a pegou São Proyecto que a tinha conquistado e levou-a até o corpo que era sua pousada.

Disse-lhe a Gloriosa mãe do Criador:

‒ “Estevão, dá graças a Deus o bom Senhor, pois grande graça te fez que não pudesse haver maior. Se não te abstendes do pecado, cairás em algo pior”.

“Estevão, mais um conselho quero te dar. Estevão este é o conselho que deves seguir: mando que cada dia recites o salmo “Beati inmaculati...” que é bem bom rezar”.

“Si tu rezas cada dia pela manhã este salmo e tu reparas as injustiças feitas às igrejas tua alma ganhará a Glória quando morreres, e assim evitarás as penas e os horríveis lugares”.

Ressuscitou assim Estevão, louvado seja Jesus Cristo!, e contou ao Papa tudo o que havia visto, o que lhe disse o Cardeal Pedro, seu irmão benquisto que jazia em grandes penas, lacerado e muito triste.

Mostrava o braço que estava lanhado onde São Lourenço o tinha apertado, e pediu mercê ao Papa, com o corpo prosternado, que cantasse a missa por Pedro o lacerado.

E para ser bem acreditado disse que em trinta dias seria levado.

Disseram todos: “Por este sinal se saberá se diz a verdade ou se verá que é falso”.

Entregou todas suas riquezas aos pobres deserdados, àqueles que fez injustiças devolveu bem as dívidas, confessou ao padre todos seus pecados, todos os que tinha feito, dito ou planejado.

E ao cabo de quatro semanas, faltando para os trinta dias poucas manhãs, Estevão se despediu do povo romano sabendo que as palavras de Deus não são vãs.

No trigésimo dia fez nova confissão, recebeu o Corpo do Senhor com grande devoção, deitou-se no leito, fez sua oração, ofereceu a alma a Deus e morreu com a bênção.



*Proyecto no original espanhol. Tal vez se refere a São Proyecto de Imola, bispo, cuja festa é comemorada em 3 de setembro. 


(Fonte: Fr. Gonzalo de Berceo OP, “Milagros de Nuestra Señora”, Milagro X: Los dos hermanos. Wikisource.


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Um comentário:

  1. Hello trata-se a 2ª vez que vi o teu blogue e gostei tanto!Bom Projecto!
    Até à próxima

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