domingo, 30 de setembro de 2018

A serpente de ouro


Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs



Ao ir um homem rico à cidade, perdeu o que levava consigo: um saco repleto, com mil talentos, sobre os quais havia uma serpente de ouro com olhos de ametista.

Um pobre que passava pela mesma estrada achou o saco e o entregou à esposa, contando-lhe como o achara. Ouvida a história, a mulher disse:

— Guardemos o que Deus nos deu.

No dia seguinte, um arauto percorreu a rua gritando:

— Quem encontrou o tesouro contido num saco, restitua-o, e não só estará livre de qualquer delito, mas terá ainda a recompensa de cem talentos.

Ouvindo o arauto, o homem que achara o tesouro disse à mulher:

— Restituamos o tesouro, e não só estaremos livres de qualquer pecado, mas ainda por cima teremos cem talentos.

— Se Deus quisesse que o dono ficasse com o tesouro, o dono não o teria perdido. Portanto, guardemos o que Deus nos deu — replicou a mulher.

O homem insistiu em que devia restituí-lo, enquanto sua mulher a isto se opunha de todos os modos. Ele, porém, quisesse ou não quisesse a mulher, fez a restituição e reclamou o que o arauto prometera.

Entretanto o ricaço, cheio de perversidade, disse-lhe:

— Fica sabendo que falta a outra serpente.

Assim falou, com o criminoso intuito de não dar ao pobre homem os talentos prometidos. Este, por sua vez, afirmou que não tinha encontrado nada mais.

Os homens daquela cidade, favoráveis ao rico e no desejo de desacreditar o pobre, cuja sorte lhes provocara inveja, levaram-no à justiça. O pobre homem continuou proclamando que nada mais tinha encontrado.

Passou o caso a ser comentado entre os pobres e entre os ricos. Afinal, pelo relato dos ministros, chegou aos ouvidos do rei. Mal tomou conhecimento dele, o rei mandou trazer à sua presença o rico, o pobre e o tesouro.

Quando todos lá se achavam, mandou o rei vir um filósofo muito criterioso, juntamente com outros sábios, e ordenou-lhes que ouvissem a palavra do acusador e a do acusado, e esclarecessem a contenda.

Ouvido o caso, o filósofo, movido de compaixão, chamou a si o pobre e disse-lhe em segredo:

— Dize-me, irmão, se ainda tens algum bem daquele homem. Pois, se não o tens, procurarei libertar-te com o auxílio de Deus.

— Sabe Deus que tudo o que encontrei eu restituí.

Então foi o filósofo ao soberano, e disse-lhe:

— Se quiseres ouvir um alvitre certo, eu o apresentarei.

O rei mandou-lhe que falasse, e ele argumentou:

— O homem rico é muito honesto e digno de crédito, e tem grandes testemunhos de sua veracidade. Nem é crível que reclamasse alguma coisa que não perdeu. Por outro lado, parece-me provável que o homem pobre não tenha encontrado nada além daquilo que restituiu, pois, se fosse desonesto, não devolveria o que devolveu, mas esconderia tudo.


— Que concluís daí, ó filósofo?

— Concluo que o tesouro encontrado não é o desse homem. Deveis tirar do tesouro cem talentos e dá-los ao pobre, guardando o restante até que apareça quem o reclame, pois não pertence a esse rico. Ele que se dirija ao arauto e mande procurar um saco com duas serpentes.

O alvitre agradou ao rei e a todos os circunstantes. Então o rico disse:

— Ó bom rei, digo-te a verdade: este tesouro realmente é meu. Mas, como eu não queria dar a este homem o que o arauto prometera, aleguei que me faltava uma segunda serpente. Tem piedade de mim, e darei a ele o que foi prometido.

Então o rei retirou do tesouro duzentos talentos e os deu ao pobre, devolvendo ao rico apenas o que restara, como punição por ter levantado falsa acusação sobre a honestidade do pobre.


(Petrus Alphonsi, in Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e Paulo Rónai, Mar de Histórias – Nova Fronteira, Rio, 4ª ed. vol. 1, p. 158)


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