domingo, 25 de fevereiro de 2024

A folgança e a honra não partilham moradia

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs






Uma vez o conde Lucanor voltava muito cansado, sofrido e pobre de uma batalha.

Porém, antes que pudesse descansar, chegou-lhe a notícia de que se preparava mais uma guerra.

Muitos dos seus o aconselharam a descansar por certo tempo. Só depois poderia decidir o que achasse mais conveniente.

O conde perguntou a Patrônio sua opinião sobre este assunto.

Patrônio lhe disse:

— Senhor, para que possais fazer o melhor e mais conveniente, gostaria muito de vos contar a resposta que deu certa vez o conde Fernán González a seus vassalos.

O conde perguntou a Patrônio o que lhes tinha dito.

— Senhor conde – contou Patrônio – quando o conde Fernán González venceu ao rei Almanzor em Hacinas, muitos de seus soldados morreram e muitos dos sobreviventes, inclusive ele próprio, receberam graves feridas.

Antes que pudessem ser curados, soube o conde que o rei de Navarra ia atacar suas terras. Por isso, ordenou aos seus a se aprontarem para lutar contra os navarros.

Seus soldados lhe responderam que os cavalos estavam cansados, que eles também estavam, e que embora isso não os impedisse de entrar em combate, não devia fazê-lo, porque ele e todos os demais estavam malferidos, pelo que convinha aguardar até que todos estivessem curados.

Sepulcro de Fernán González tendo junto dois pendões de Castela
Quando o conde viu que todos reusavam a luta, dirigiu-se a eles com estas palavras, valorizando mais a honra que o cansaço:

— Amigos, não abandonemos a empresa por causa das feridas, pois as novas que agora nos causarão, farão com que nos esqueçamos das recebidas em Hacinas, diante do mouro Almanzor.

Vendo os seus que o conde não se preocupava nem com o cansaço nem com as feridas para defender sua honra e sua terra, marcharam junto com ele.

O conde e seus soldados ganharam essa nova batalha e saíram vitoriosos.

Vós, senhor Conde Lucanor, se quiserdes fazer o que se deve para defender os vossos, as vossas terras e elevar a vossa honra, nunca sintais a dor, as fadigas ou os perigos, mas agi de maneira que os novos perigos e dores vos façam esquecer os passados.

O conde viu que esse exemplo era bom, seguiu-o e lhe foi muito bem.

E julgando o Infante Don Juan que este conto era muito bom, mandou guardá-lo neste livro e acrescentou os versos que dizem assim:

Tende isto por certo, pois é verdade provada:
que a folgança e a honra não partilham morada.






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