domingo, 9 de abril de 2023

O tanoeiro de Arnsbourg

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs




Há muito, muito tempo, um lenhador atravessava a floresta de Arnsbourg, entre Niederbronn e Mühltal, na Alsácia, França.

O calor estava insuportável e a seca ia longe, fazendo o pobre homem sofrer terrivelmente de sede.

Para a infelicidade do corajoso homem não havia córrego algum para dessedentá-lo.

Passando perto das ruínas de um antigo castelo, ele julgou sentir um bom odor de vinho, e pensou:

“Se houvesse pelo menos alguém que pudesse dar-me um pouco de vinho!”

Nessa hora, apareceu subitamente no meio das ruínas um homenzinho de longa barba branca, com um avental de couro e um maço de chaves no cinto, que lhe fez sinais amistosos e convidou-o a acompanhá-lo.

O lenhador decidiu seguir a mesma direção do tanoeiro sem fazer perguntas, e juntos pularam cada vez mais açodadamente de degrau a outro, em boa parte derruídos e cobertos de musgo.

Escadaria nas atuais ruínas do castelo de Arnsbourg
Escadaria nas atuais ruínas do castelo de Arnsbourg
Era essa a descida para o inferno?

O lenhador desconfiou, mas queria vinho. Sim, o vinho cujo perfume embriagante ele tinha farejado.

E quanto mais se afundava por essa escadaria desconhecida, mais crescia nele o desejo devorador de sorver o líquido da perdição.

De repente, o misterioso tanoeiro se deteve diante de uma imensa e sólida porta, e pegando uma gigantesca chave enferrujada que estava em seu maço, abriu-a.

Eles entraram numa grande adega com o teto em arcos, muito fresca e com um pequeno odor inebriante, forte e suave: o vinho!

Ruínas atuais do castelo de Arnsbourg.
Ruínas atuais do castelo de Arnsbourg.
O velho tanoeiro encheu com um líquido de maravilhosa cor sangue um copo de cristal finamente trabalhado, e oferecendo-o ao lenhador, disse:

– “Pega, bebe, é o mesmo vinho que bebia o senhor de Arnsbourg e que eu só podia lhe servir nos dias de festa. Eu fui seu tanoeiro, mas fui condenado a ficar aqui durante mais duzentos anos, sem poder gozar da paz eterna, porque quando estava vivo eu punha água no vinho dos servidores”.

O lenhador bebeu com grandes goles. Jamais havia provado um vinho tão bom. Nunca ficara com tanta energia, juventude e alegria.

E após agradecer ao tanoeiro com um sorriso, voltou para casa animado e com novas forças.

De volta à aldeia, ele contou toda a história, que se espalhou pela região.

Mas ninguém acreditou, pois as pessoas percebiam que ele tinha perdido o juízo.

Passou-se o tempo e muitos “pais da vida” e beberrões quiseram visitar as ruínas do castelo de Arnsbourg.

Mas o tanoeiro nunca mais voltou a aparecer.

Desde aquela época, em determinados anos, durante a floração dos vinhedos, os vinhateiros afirmam que um perfume agradável e subtil sai do chão e envolve todas as ruínas do castelo.

A tradição popular diz que nesses anos “haverá abundantes colheitas de uva na Alsácia, e que no outono as adegas se encherão de um vinho generoso”.

Mas, em são juízo, ninguém quer saber mais sobre o misterioso tanoeiro que enche os outros de vinho, mas lhes tira a razão.



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