domingo, 28 de fevereiro de 2021

Tudo o que Deus faz é pelo melhor

O Rei e o médico

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs





Havia um médico, homem bom e sem malícia, na corte de um poderoso rei.

Visitando Sua Alteza, ainda que o achasse afligido com qualquer trabalho ou dor, não mostrava entristecer-se.

Aplicava os remédios que entendia lhe eram necessários, e consolava o rei, dizendo que não se agastasse e sofresse seu trabalho com paciência, porque tudo o que Deus faz é pelo melhor.

Aconteceu de morrer o príncipe herdeiro do reino, pelo que o rei ficou muito triste.

Querendo o médico visitá-lo e consolá-lo, como todos faziam, o fez com as palavras de seu costume, dizendo-lhe:

— Senhor, não vos agasteis tanto, a ponto de prejudicar a vossa pessoa. Tudo que Deus faz é pelo melhor.

O rei não teve paciência ao ouvir este dito em tal ocasião, e pensou:

— O que poderia ser pior para o príncipe meu filho, do que morrer? Vou me vingar deste médico insolente. Vejamos se lhe será melhor a morte que lhe mandarei dar do que deixá-lo viver.


Chamou dois homens, e ordenou:

— Ide atrás do médico que acabou de sair, e dizei-lhe que quereis dar um recado meu. Quando estiverdes diante dele, matai-o, por ordem minha.

Os homens foram à casa do médico, e achando a porta da escada fechada, gritaram que traziam um recado do rei.

Alvoroçado com isto, o médico colocou o sobretudo e desceu para abrir a porta.

Mas, com a pressa de descer, o sobretudo agarrou no corrimão da escada, ele caiu e quebrou a perna.

Ouvindo seus gritos de dor, os servidores da casa vieram e o tiraram dali, levando-o para a cama.

A dona da casa explicou aos emissários do rei o que acontecera, e eles voltaram para explicar tudo ao rei.

O médico permaneceu mais de seis meses na cama.

Quando sarou, levantou-se e foi mancando à presença do rei.

Vendo-lhe o defeito, o rei quis consolá-lo, mas o médico se adiantou e disse:

— Não me aborreço com isso, porque o que Deus faz é pelo melhor.

Ouvindo isso, o rei concluiu que ele aplicava essa norma sábia também a si próprio, e o teve dali por diante por bom homem.

Perdeu o rancor que contra ele tinha, e viu também que na verdade foi melhor ele ter quebrado a perna, pois do contrário teria morrido.


(Theophilo Braga, "Contos Tradicionais do Povo Português" - Magalhães e Moniz Editores, Porto)



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