domingo, 13 de novembro de 2022

A catedral submersa

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs





Na Bretanha, as crianças ouvem contar a lenda da catedral submersa:

"Era uma vez uma catedral bonita, plantada havia muitos anos na beira do mar.

Era a jóia da aldeia, o povo gostava dela. Em dia de festa, mais bonita ficava, cheia de gente, e os sinos dobrando.

"Mas um dia — foi o vento? foi a maré muito forte? foram os pecados da gente que irritaram a Deus? — o certo é que o mar subiu e devorou a catedral.

Depois, durante muitos séculos não se ouviu falar mais da "cathédrale engloutie".

Mas quando era calma a noite, quando não silvava o vento gemendo no arvoredo, nem uivavam os cães na redondeza, se o barqueiro que singrasse aquelas ondas apurava o ouvido, escutava lá longe, vindo do fundo das águas, o claro som argênteo de sinos tocando.

Eram os sinos da catedral, que dobravam para as suas festas".

Ora, é um pouco assim com cada alma humana.

Quantas vezes esbarramos na vida com um ser abjeto, cheio de defeitos. Pensamos com asco que nada de sadio existe nele.

Bastaria, entretanto, aguçar o ouvido para escutar — muito distantes, talvez, mas sonoros e cristalinos — cantarem os sinos dessa "cathédrale engloutie".

O que é preciso é não desesperar de ninguém. É saber descobrir em cada coração o reflexo de Deus que aí existe, ainda que esteja envolto na lama.

É saber dar a esse mísero desgraçado a possibilidade de emergir para a vida. Fazer que cantem os sinos da catedral.



(D. Lucas Moreira Neves, "A semente é a palavra" - Paulinas, SP, 1969, pp. 13-16)


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Um comentário:

  1. Ah, adooorei este blog. Sou uma admiradora de Castelos...
    Muito bem feito. :)
    Parabéns.

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