domingo, 15 de outubro de 2017

Dona Truã

Leiteira normanda em Greville, Jean-François Millet (1814 – 1875),
Los Angeles County Museum of Art
Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs





Certa feita, o Conde Lucanor falou a Patrônio desta maneira:

— Patrônio, um homem veio me propor uma coisa e me mostrou o meio de consegui-la.

Eu posso te garantir que traz tantas vantagens que, se com a ajuda de Deus sair bem, vai me ser de grande utilidade e proveito, pois os benefícios se somam uns aos outros e no fim serão muito grandes.

Então contou a Patrônio tudo quanto sabia.

Após ouvi-lo, Patronio respondeu ao conde:

— Senhor Conde Lucanor, sempre ouvi dizer que o prudente fica dentro das realidades e desdenha as fantasias, pois muitas vezes àqueles que vivem delas lhes acontece o mesmo que a dona Truã.

O conde perguntou o que tinha acontecido com ela.

— Senhor conde – disse Patrônio –, havia uma mulher chamada dona Truã que era mais pobre do que rica. Certo dia ela se dirigia ao mercado com uma panela cheia de mel na cabeça.

Enquanto ia pelo caminho, começou a pensar na venda do mel. E com o que ganharia, compraria um monte de ovos. E dos ovos nasceriam galinhas. E com o dinheiro das galinhas compraria abelhas.

E assim foi comprando e vendendo, sempre com lucro, até que se imaginou mais rica que todas as suas vizinhas.

Depois pensou que, sendo tão rica, casaria bem seus filhos e filhas, e andaria pelas ruas na companhia dos genros e noras.

E pensou também que todos comentariam a sua boa sorte, pois tinha tantos bens apesar de ter nascido muito pobre.

Pensando nisso, começou a rir com alegria pela sua boa sorte. E rindo, rindo, bateu com a sua fronte, a panela caiu no chão e quebrou em mil pedaços.

Vendo a panela arrebentada e o mel espalhado pelo chão, Dona Truã começou a chorar e a se lamentar muito amargamente, porque tinha perdido todas as riquezas que sonhava obter da panela se esta não tivesse se arrebentado.

Por ter posto toda a sua confiança nas fantasias, não pôde fazer nada daquilo que tanto esperava e desejava.

Vós, senhor conde, se quiserdes aquilo que vos dizem e que vós achais que um dia será realidade, procurai sempre que se trate de coisas razoáveis, e não de fantasias ou imaginações duvidosas e vãs.

E quando fordes iniciar algum negócio, não arrisqueis algo muito vosso, cuja perda vos possa ocasionar dor, para tirar um proveito baseado apenas em vossa imaginação.

O conde ficou muito aprazido com o que lhe falou Patrônio, agiu segundo a sua narrativa e assim lhe foi muito bem.

E tendo o infante Don Juan ouvido e gostado deste conto, fez que fosse escrito neste livro, acrescentando dois versos por ele compostos:

Nas realidades certas vós podeis confiar,

mas das fantasias deveis vos afastar.


El conde Lucanor
El conde Lucanor é um livro narrativo da literatura de Castela medieval, escrito entre 1330 e 1335 pelo infante Don Juan Manuel, Príncipe de Villena.
O título completo e original em castelhano medieval é Libro de los enxiemplos del Conde Lucanor et de Patronio (Livro dos exemplos do conde Lucanor e de Patronio).
O livro compõe-se de cinco partes, sendo a série de 51 exempla ou contos moralizantes a mais conhecida.


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domingo, 17 de setembro de 2017

A origem da “Casa do Anjo” em Ingelheim

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
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Carlos Magno, tendo notado a excelente disposição do terreno de Ingelheim, fez transplantar para ali as cepas do melhor vinho de Orléans. A vinha ganhou o cêntuplo com o transplante.

Foi uma grande alegria para o Imperador, tê-lo tão bem conseguido, tanto que, depois de Aix-la-Chapelle, sua residência preferida era Ingelheim, ou Casa do Anjo. É muito curiosa a origem do nome poético e celeste com que foi batizado o castelo.

Pelo ano de 768, Carlos Magno decidiu construir um palácio que dominasse o Reno, e em 774 ele já estava edificado. Era um prédio magnífico, metade fortaleza, metade palácio, sustentado por cinqüenta colunas de mármore e cinqüenta de granito.

As de mármore foram-lhe enviadas de Roma e de Ravena pelo Papa Estêvão III, e as de granito foram extraídas do Adenwald. Assim, vendo sua nova morada imperial tão felizmente concluída, determinou ali reunir uma dieta. Em consequência, os príncipes e senhores dos arredores foram convocados para aquela grande solenidade.

domingo, 20 de agosto de 2017

As três moças de São Nizier

Luis Dufaur
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Em Vercors, nos Alpes franceses, subindo ainda mais alto pelo lado da Torre Sans-Venin, hás três rochedos verticais que parecem estátuas e sobressaem na montanha.

Todos os habitantes de Grenoble conhecem esses três rochedos míticos que surgem altaneiros entre os picos de Vercors. Os alpinistas vencem muitos desafios quando conseguem escalá-los.

Eles são conhecidos como “as três moças de São Nizier”. Sabeis qual é a origem de seu nome tão curioso? Pois  Eis o que aconteceu:

Três moças muito belas e sobre tudo muito vaidosas viviam numa aldeia de Vercors.

Os seus costumes coquetes deixavam surpresos os habitantes do local que tinham muitas dificuldades para sobreviver cultivando aquela terra árida no verão e fria no inverno.

Num verão, enquanto todo mundo trabalhava duro nos campos, as três senhoritas passeavam pelas pradarias.

domingo, 6 de agosto de 2017

São Bernardo fez o demônio servir de roda

São Bernardo de Claraval. Heiligenkreuz, Áustria
Luis Dufaur
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São Bernardo voltou certa vez à sua aldeia natal – Fontaine, perto de Dijon – para encontrar junto à lagoa de sua infância toda a calma e toda a força de que necessitava.

Com efeito, através de sua eloquência e da força de convicção de sua fé, ele deveria arrastar para a segunda Cruzada tudo quanto na Europa havia de melhor na nobreza e nas classes populares de boa vontade.

Por isso ele precisava de um momento de contemplação e repouso em sua terra natal.

Tanto mais quanto havia tempo que inquietações e dúvidas o assaltavam e atormentavam, dando a impressão de que uma diabólica mão pesava-lhe sobre as costas, queimando-a.

Uma voz lhe murmurava palavras desencorajadoras e anunciava que seu projeto iria fracassar.

Imagens ora tentadoras, ora aterrorizantes desfilavam diante de seus olhos.

São Bernardo lutava contra o demônio com todo o poder da oração, sendo nisso ajudado pela tranquilizadora paisagem de seus jovens anos.

A serenidade voltou e ele decidiu se reunir com o já numeroso magote de companheiros de fé e de combate, com os quis pegou a estrada de Vézélay.

Os caminhos naqueles tempos eram ruins e difíceis, as viagens lentas e penosas, o perigo acompanhando os viajantes como se fosse parte de sua própria bagagem.

domingo, 23 de julho de 2017

Não cairmos em vergonha (Cantiga 94)

Nossa Senhora da Misericórdia, Sano di Pietro (1405-1481), col. privada.
Luis Dufaur
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Cantiga 94 do rei de Castela Alfonso X, o Sábio. Cantigas de Santa María

Esta cantiga fala como Santa Maria ficou servindo no lugar da freira que fugiu do mosteiro.


“A Virgem Maria trata sempre de nos livrar de pecar e de errar”.

E nos protege de pecar, e até quer nos encobrir quando caímos em pecado; depois nos faz arrepender e praticar a emenda dos pecados que cometemos.

Sobre isto, quero mostrar um milagre que numa abadia quis mostrar a Santa Rainha sem par que nos guia.

Havia lá uma freira que, segundo fiquei sabendo, era uma jovem formosa e, além do mais, sabia guardar a regra da Ordem, e nenhuma outra era tão diligente em aproveitar tudo o que tinham, e por isso lhe deram a tesouraria.

Mas o demônio, ao qual aquilo não agradava, a fez apaixonar-se de tal maneira por um cavaleiro, que não lhe dava repouso, até que conseguiu que ela saísse do mosteiro.

domingo, 25 de junho de 2017

São Francisco pregou às aves e fez calar as andorinhas

São Francisco de Assis prega aos passarinhos (detalhe). Ambrogio Bondone, chamado Giotto  (1266-7 – 1337).
São Francisco de Assis prega aos passarinhos (detalhe).
Ambrogio Bondone, chamado Giotto  (1266-7 – 1337).
Luis Dufaur
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O humilde servo de Cristo São Francisco, pouco tempo depois de sua conversão, tendo já reunido e recebido na Ordem muitos companheiros, entrou a pensar muito e ficou em dúvida sobre o que devia fazer, se somente entregar-se à oração, ou bem a pregar algumas vezes.

E sobre isso desejava muito saber a vontade de Deus.

E porque a humildade que tinha não o deixava presumir de si nem de suas orações, pensou de conhecer a vontade divina por meio das orações dos outros.

Pelo que chamou Frei Masseo e disse-lhe assim:

“Vai a Soror Clara e dize-lhe da minha parte que ela com algumas das mais espirituais companheiras rogue devotamente a Deus seja de seu agrado mostrar-me o que mais me convém: se me dedicar à pregação ou somente à oração.

“E depois vai a Frei Silvestre e dize-lhe o mesmo”.

Este fora no século aquele monsior Silvestre, que vira uma cruz de ouro sair da boca de São Francisco, a qual era tão alta que ia até ao céu e tão larga que tocava os extremos do mundo.

Era este Frei Silvestre de tanta devoção e de tanta santidade, que tudo quanto pedia a Deus obtinha e muitas vezes falava com Deus; e por isso São Francisco tinha por ele grande devoção.

Foi Frei Masseo, e conforme a ordem de São Francisco, deu conta da embaixada primeiramente a Santa Clara e depois a Frei Silvestre.

O qual, logo que a recebeu, imediatamente se pôs em oração e, rezando, obteve a resposta divina, e voltou a Frei Masseo e disse-lhe assim:

domingo, 16 de abril de 2017

O combate contra o gigante Ferragut


Luis Dufaur
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Terminada a conquista da região de Monjardin, anunciaram a Carlos Magno que em Najera havia um gigante da raça de Golias, chamado Ferragut.

Tinha vindo da Síria, enviado pelo emir de Babilônia com 20.000 turcos, para combater o monarca franco. Possuía o vigor de quarenta homens fortes. Media uns sete pés.

Quando o gigante se inteirou da chegada do Imperador, saiu alegre ao seu encontro e lhe propôs um combate singular. Um cavaleiro devia lutar contra ele.

Saiu primeiro Ojeros até Ferragut, e o gigante pegou-o com sua mão direita e o levou como uma ovelha até a cidade. Carlos mandou Reinaldo de Montalbán.

Tomando-o pelo braço, Ferragut o encerrou no cárcere da cidade. Tiveram idêntica sorte vários guerreiros. Carlos desistiu então da idéia de prosseguir a luta.

Roland pediu permissão ao Rei para medir as suas forças com o gigante.

domingo, 5 de março de 2017

Como o arcebispo Turpin soube
da partida de Carlos Magno para o Céu

Visão do arcebispo Turpin, vendo ao rei islâmico Marsile, inimigo de Carlos Magno levado ao inferno pelos demônios, Bibliothèque National de France, doc. FR2813_01_038
Visão do arcebispo Turpin, vendo ao rei islâmico Marsile, inimigo de Carlos Magno
levado ao inferno pelos demônios, Bibliothèque National de France, doc. FR2813_01_038
Luis Dufaur
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"Eu Turpin, arcebispo de Reims, estando em Viena, após ter celebrado a Missa em minha capela, como estava só para dizer minhas horas, tendo começado o Deus, in adjutorium meum, ouvi passar sob minhas janelas um grande bando que atraiu minha atenção; ele marchava em meio a muito barulho e clamores.

Abri a vidraça para ver o que causava esse tumulto; e, adiantando a cabeça, reconheci que era uma legião de demônios, mas tão numerosos que não era possível contá-la.

Ainda que eles fossem a grandes passos, percebi entre eles um demônio menos alto que os outros, cujo aspecto, contudo, era horrível.

Ele era precedido por um primeiro grupo, e marchava na liderança do segundo, que se entrelaçava após ele, a alguns passos de distância.

Eu o conjurei, no nome do Criador e pela fé cristã, de me declarar in loco aonde ele ia com esses grupos.

– Nós vamos, me respondeu ele, nos aproveitar da alma de Carlos Magno, que, nesse momento, parte desse mundo.

domingo, 8 de janeiro de 2017

O alcaide-mor de Faria, Nuno Gonçalves

Alcaide de Faria

Luis Dufaur
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A breve distância da vila de Barcelos, nas faldas do Franqueira, alveja ao longe um convento de franciscanos. Aprazível é o sítio, sombreado de velhas árvores.

Sentem-se ali o murmurar das águas e a bafagem suave do vento, harmonia da natureza, que quebra o silêncio daquela solidão — a qual, para nos servirmos de uma expressão de Frei Bernardo de Brito — com a saudade de seus horizontes parece encaminhar e chamar o espírito à contemplação das coisas celestes.

O monte que se alevanta ao pé do humilde convento é formoso, mas áspero e severo, como quase todos os montes do Minho. Da sua coroa descobre-se ao longe o mar, semelhante a mancha azul entornada na face da terra.

O espectador colocado no cimo daquela eminência volta-se para um e outro lado, e as povoações e os rios, os prados e as fragas, os soutos e os pinhais apresentam-lhe o panorama variadíssimo que se descobre de qualquer ponto elevado da província de Entre-Douro e Minho.